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Chegou carta
Curitiba, 11 de junho de 2021.
Gosto de cartas. Escritas a mão ou datilografadas, em um papel bonito ou delicado (para custar menos no envio), a dedicação e o esmero a elas destinada, com o simples objetivo de aproximar corações pela palavra, sempre me fascinaram. Dispostas sobre a mesa de mogno do hall do prédio onde passei a minha infância, em montinhos separados por apartamento, provocavam os meus olhos curiosos, numa mistura de encantamento e frustração - nos tantos envelopes expostos, quase nunca, encontrar o meu nome.
Mas, o quase não é nunca e, vez em quando, lá surgia um pedacinho de papel destinado a mim - cartões de natal, uma ou outra palavrinha dos tios de Santos, São Paulo ou Petrópolis, postais de viagem dos meus avós. Envaidecida, carregava como preciosidade e abria com cerimônia, fechada em meu quarto, tentando prolongar aquele momento. Um pouco mais velha, depois de conhecer a terrinha e a família que lá ficou, avistar então os típicos envelopes ‘par avion’, com suas bordas vermelhas e azuis, transformavam o meu dia em poucos segundos. Das portas de vidro da entrada, já começava a sorrir, sabendo que se tratavam das tão esperadas e estimadas cartas do tio Pedro, da Luísa, dos primos Vaz Pinto. Isso sim era uma festa.
A paixão por correspondências era tão grande que, a uma dada altura, sugeri a uma amiga do prédio que trocássemos cartas, de forma tradicional. Em papéis coloridos e envelopes malucos (não tão preocupadas com os custos do selo, sendo nós mesmas responsáveis pela postagem, envio e entrega), deixávamos os invólucros sobre a mesa do hall com a mesma cerimônia dos boletos, cartas de banco, revistas de assinatura e um ou outro encarte de propaganda. Elas guardavam as palavras não usadas nas tardes de brincadeira, cuidadosamente reservadas à formalidade do papel.
Adolescente dos anos 90, tive a minha febre bem curtida, pelas correntes de correspondência, trocadas com as amigas de colégio. Escritas em cores, em folhas arrancadas (e mais tarde, em papéis do fichário), dobradas de forma a não precisarem de envelope, em formato quadrado ou de coração. Isso, antes dos próprios cadernos de carta – volumes inteiros, enormes, repassados nos intervalos das aulas, nos corredores do Medianeira, com páginas e mais páginas de confidências. Quase um diário, a muitas mãos.
Nessa época, também os primeiros amores e namorados, aos quais dedicava todo o meu carinho para escolher as devidas palavras, a serem entregues ou não, numa tentativa de ganhar os seus corações ou acalmar o meu.
Sinto não ter guardado mais.
Os anos passaram e as cartas viraram e-mail, que viraram conversas em salas de bate-papo, no messenger ou ICQ. Tentaram renascer nos testimonials do Orkut, mas hoje habitam mesmo (ou, pelo menos, nesse meu ecossistema) a categoria de telegramas (não à toa, inspiraram o nome do aplicativo), em curtas mensagens compartilhadas e quase que instantaneamente respondidas. E, mesmo essas, quando guardam poesia, ainda insistem em conter todo o meu coração e carinho – não por acaso, a eventual falta delas, na atualidade, seja alvo de constantes questões matrimoniais – tendo eu, justamente, casado com alguém que prefere as conversas ao telefone, que compra cartões de presente e esquece em branco, que mal abre o whatsapp – preferindo as declarações verbalizadas.
Dada a casa cheia, amigos por perto, viagens costumeiras para visitar a família, acabei por me acostumar com as trocas curtas e dinâmicas. Mais de um ano de isolamento depois, porém, me peguei lembrando das velhas pontes que, diferente das mensagens, esquecidas em um back-up, ficam reservadas à uma caixa bonita, ao mural do meu escritório, a uma pasta especial em meu e-mail – sendo facilmente resgatadas ao menor sintoma de saudade.
Em meio a esse devaneio, lembrei, com graça, quando descobri que, na Construção Civil, as tais pontes são chamadas de obras de arte. E hoje, fez então sentido.
Curitiba entrou em bandeira vermelha, de novo, na semana passada; que desbotou para um laranja, quase que ainda vermelho pálido, na terça, dia 09. O jeito é seguir se cuidando muito e curtir a Tasca. Por aqui, para os dias frios, aquecemos a programação...
Temos uma paixão enorme e inexplicável pela Irlanda e Escócia. Visitamos os países em 2014/15 e o amor só cresceu. Mas, para além de paisagens, somos mesmo é fascinados pela cultura de ambos os países e as suas tradições antigas. Dito isso, não consigo justificar o motivo de, por tanto tempo, adiarmos a Maratona de Outlander. Começamos a assistir despretensiosamente, com o Lu bem reticente, a partir das dicas sempre precisas da Paula e time do seu clube do livro do Chicas. Pois bem. Hoje é o marido que puxa: “mais um capítulo?”. A série tem 5 temporadas (estamos terminando a 2) no Netflix, inspiradas nos livros homônimos. Alerta de gatilho: o consumo de whisky (uísque?) subiu vertiginosamente na Tasca - acompanhado do consumo de Engov.
Ainda nas terras altas, cruzamos o mar celta (ao menos, em devaneio). É que por lá, dia 16 de junho, é celebrado o único feriado destinado a um livro, com exceção da Bíblia: o Bloomsday. Não se sabe bem ao certo quando foi que as comemorações começaram (estima-se que em 1988), mas a data foi escolhida para prestigiar um dos romances mais marcantes do século XX, Ulysses, tal qual o seu irreverente autor, o irlandês James Joyce. Nas 1106 páginas da edição brasileira, traduzida pelo curitibano Caetano Galindo, são transcritos os sentimentos de Leopold Bloom, que circula por Dublin nesta mesma data, em 1904 – curiosamente, o mesmo dia que Joyce conheceu o amor de sua vida e futura esposa, Nora Barnacle. O livro é cheio de fatos curiosos e o primeiro que me chamou atenção, antes mesmo de me dedicar (sim, dedicar. E põe dedicação nisso.) às palavras do modernista, foi a sua publicação: feita em 2/2/1922, data em que o autor completava 40 anos, quase levou à falência a sua primeira apostadora – Sylvia Beach, da Shakespeare and Company, em Paris. Foram alguns anos, até que o reconhecimento pela obra-prima ocorresse, de fato. E hoje, aos leitores, há quem diga que passar um 16/06 na capital irlandesa é um ‘to do’ da vida: o festival, marcado por leituras, encenações, pessoas caracterizadas pelas ruas, circulando pelos pontos por onde transcorrem os capítulos, é um dos dias mais celebrados da ilha. Na Tasca, em 2021, a data entrou para o calendário festivo oficial (oi, Mar!). Depois de um curso incrível de introdução aos modernistas, conduzido pela Luci Collin, na Esc. Escola de Escrita, resolvi mergulhar no universo joyceano: comecei com o Retrato (de um artista quando jovem); segui para Dublinenses; e em 17/03, quando mais uma vez, não festejamos o St. Patricks, iniciei Ulysses, com um plano maluco de terminar até o Bloomsday. Falhei, miseravelmente, não passando da página 230. Mas seguimos. E dia 16, terá cardápio irish, guinness e leituras – mesmo que a dois. Deixo aqui, a indicação de um evento on line, que também vai rolar; e um dos meus trechos preferidos, até então – do Cap. 2, passagem com o alter ego do autor, Stephen Dedalus:
“- Prevejo, o senhor Deasy disse, que o senhor não vai permanecer muito tempo aqui nesse trabalho. O senhor não nasceu para ensinar, acho eu. Talvez eu esteja errado.
- Para aprender, mais provável, Stephen disse.
E aqui o que mais há para você aprender?
O senhor Deasy balançava a cabeça.
- Vá saber, ele disse. Para aprender, é preciso ser humilde. Mas a vida é que é a grande escola.”
Em tempo: o Galindo, tem um guia para ajudar na leitura. Mas, ele também, recomenda, em sua nota introdutória, que a primeira aventura seja cega. Ascendente em virgem? Estou nessa.
Junho chega, novamente, sem todo o charme das bandeirinhas coloridas pelas ruas, da muvuquinha na praça Osório, da caça frenética pelos melhores arraiás da cidade (outro dia, nessa matéria do Plural, descobri o do Dom Max e senti saudades daquilo que nem vivi). Mas 2020 bastou. Em 2021, vai ter festa junina sim. E vai ser todo dia. A Ale, querida, da Opportunitea, lançou um chá temático especial de Quentão – tive o prazer de brincar de sommelier (acho chique), o que fiz num fim de dia atribulado de trabalho. Sou bem crítica com quentão, pois a minha família tem uma festa tradicional (tinha?) e lá se prepara o melhor do mundo. Experimentei, sem muita expectativa, doida pra dar uma relaxada. E vou te contar: de olhos fechados, dá até um baratinho.
Antes de ir, vou logo avisando: vai dar fome (sempre, no caso). A ideia do Tasca Aberta veio em uma noite meio insone, em que fui apresentada à Antônia, aprendiz de chef de cozinha. E, depois, à Srta. Virgínia, A Chef (letra maiúscula mesmo). Ambas, personagens da midas Cris Lisbôa, em Papel Manteiga – para embrulhar segredos culinários e em Duas pessoas são muitas coisas. Quando a literatura invade a cozinha, normalmente, salta aos meus olhos. Mas quando isso ocorre em forma de cartas, recheadas com receitas, destinadas à uma Bisa... Puxa vida! Totalmente imersa nos aromas e temperos, viajei para alguns lugares distantes em minha memória, ainda que embaixo do edredom e acompanhada somente do ronco da cachorrinha e de uma luminária de leitura com lâmpada rosé. Inspirada, veio a ideia, um rascunho do texto que precede essa carta e até o cardápio do jantar de dia dos namorados (pois sou dessas românticas, que comemora desde que criança E solteira – alguém do time das simpatias? – oi, pama!): pra começar, Cacik, uma salada turca de pepino, acompanhada de damascos recheados com pistache; seguidos de guisado de cabrito com anis estrelado, ambos sugeridos para um casal apaixonado, como conta a sous chef:
“(...) uma entrada afrodisíaca, usada pelas cortesãs da Turquia para enlaçar amantes, quando cruzar e descruzar as coxas não surtia tanto efeito. Verdade ou não, diz ela que Padre Pedro, nosso único visitante contumaz e bem-aceito, jamais se arriscou a provar a iguaria, mesmo quando é inocentemente servida como acompanhamento de carne assada”.
De sobremesa, Perfume, uma delicadeza em forma de laranja com especiarias e mel, que, avisa a Virgínia:
“Serve quatro pessoas sem gula. Ou duas apaixonadas”
As receitas? Vou testar e depois conto… Mas se quiser antes, me grita. Ou, melhor ainda: harmoniza com vinho e esses dois achados da literatura e me conta? Estou louca para conversar com alguém sobre.
Com carinho.
Mari P. Bragança
Obs.: me conta o que achou? Pode ser em uma mensagem curtinha mesmo!
Obs. 2: se curtiu e quiser compartilhar, vai me deixar bem feliz. Essa não é daquelas cartas para se guardar a sete chaves...