Sevilha, 20 de maio de 2023.
Acho super curiosos os fatos que levam pessoas a escreverem os seus livros, tirarem as ideias de suas cabeças, colocarem no papel e tornarem públicas. Da forma como se faz até os dias de hoje, seguimos (me coloco junto, olha só, que ousadia viajar me permite!) os mesmos modelos estabelecidos por Cervantes, nos idos 1600 e bolinha. Considerado o pai do romance moderno, o espanhol redigiu a primeira parte de Dom Quixote no Cárcere Real de Sevilha, onde ficou preso por cinco meses, por conta de uma dívida que não foi capaz de saldar. Santo (falta de) dinheirinho, abençoada falência.
Foi chegar a cidade, para eu me deparar com uma das muitas placas em homenagem ao « ingenioso hidalgo » e me pusesse a pensar na obra e nas casualidades do destino que nos tornam quem nós somos, alterando um pouquinho - ou profundamente - os rumos da história. Não preciso dizer que me deixou reflexiva - e tornou as conversas ao pé da cama e na varandinha do BNB que reservamos, um tanto quanto, mais filosóficas.
Isso, e o fato da cidade ter sido um dos portos mais importantes do período dos descobrimentos. Os restos mortais de Cristóvão Colombo repousam aqui, na maior catedral gótica de toda a Europa, tal qual uma série de monumentos em honra a feitura do italiano - e de tantos outros, que desbravaram os mares em busca do Novo Mundo, mudando, irreparavelmente, a linha do tempo.
Sevilha é elegante, grandiosa. Também mistura o classicismo cristão à herança mourisca. Surpreende a cada rua, a cada esquina. Encantou-me, sem dúvidas. Mas não consegui deixar de pensar que o sangue, as lágrimas e as esquecidas tradições dos nossos moldaram cada um dos lugares visitados - sendo, ainda, um passado, por tantos, venerado.
Cervantes, no prólogo de Dom Quixote, disse:
« um cárcere onde todo incômodo tem seu assento, e onde todo triste ruído faz sua habitação »
Talvez fale mais, do que o que há dito.
Divagar dá fome, comer dá sede. Pois, por Sevilha bem comemos e bebemos, seguindo a moda andaluza e em despedida a esse país que nos encheu os corações e recheou as memórias. E que as últimas sejam firmes - num acaso de mãe cansada, não fui perder todos os registros da cidade? Antes, tivesse feito os invejosos de Cervantes e replicado uma ou outra foto da câmera para o celular. Não aqui.
Ficam as lembranças dos devaneios - e do sabor frutado dessa sangria, que pela ocasião de um biscoito, registrei para o insta.
Com carinho e falsa plenitude de ver (não ver) fotos sendo perdidas,