#4
Oi, sumida!
(parte 1)
Curitiba, 26 de novambro de 2021.
O dia começava a clarear e já se mostrava cinza e típico de Curitiba. Com certa preguiça e muito sono, me arrasto da cama para o chuveiro, para uma ducha rápida, com o objetivo de reduzir minimamente a quantidade de café que seria necessária para me manter ativa ao longo do dia – que seria longo. Visto as roupas separadas na véspera, já ciente de minha incapacidade cognitiva àquela hora da madrugada. Dou um beijo na testa de um marido adormecido, que murmura algo incompreensível. Afago a cachorra, que ao menor sinal de movimentação, assume o meu lugar na cama. Pego a mala, a bolsa, uma banana e chamo o Uber.
A movimentação intensa no aeroporto de Curitiba nas primeiras horas da manhã sempre me impressiona. Se não fosse por, tantas vezes, chegar tarde da noite e encontrar esses mesmos espaços vazios e escuros, teria a certeza que se tratava de uma extensão da cidade que nunca dorme. Apesar do movimento intenso, todos parecem tão sonados quanto eu, ensimesmados em seus celulares, movimentando-se com cautela e silêncio, quase coreografadamente.
Acesso o saguão de espera, pago muitos reais por um cappuccino e pão de queijo 'meias bocas', e, acompanhada de meu livro, me aconchego em uma poltrona próxima do portão. Voo para Belo Horizonte está no horário e logo vão anunciar o embarque. Os primeiros sinais de turbulência, porém, começam em terra. Num relance, levanto os olhos, brevemente, e cruzo os meus com aquele que, vez ou outra, por motivo incompreensível, povoa os meus sonhos: Felipe, um namorado, dos tempos de escola, que já se abre em um sorriso simpático e se dirige em minha direção.
— Lu! Quanto tempo! Como você tá? Indo pra Minas também? — Espia o livro em meu colo. — Persuasão. Você sempre curtiu esses romances, né? Pelo visto, algumas coisas não mudam. Posso sentar aqui? — diz, já levantando a minha bolsa e se sentando, enquanto dispara o interrogatório (que eu agradeço silenciosamente, pois a perplexidade do encontro ainda me deixa incapaz de responder algo com consistência).
Felipe não foi, exatamente, o meu primeiro namorado. Houve outros casinhos iniciais. Mas, sem dúvida, foi o primeiro a roubar — e a partir — meu coração. Éramos muito amigos, nos tempos de colégio. Dividíamos sala, estudávamos juntos, conversávamos por horas. Um belo dia, não sei bem quando, ou como, percebi que amizade era palavra pequena e insuficiente para os meus sentimentos. Até hoje, não sei bem se fui correspondida ou apenas despertei a sua curiosidade juvenil. Namoramos por não mais que 4 meses e, tal qual começou, acabou, namoro e amizade, num final de ano, destruindo qualquer hipótese de um verão divertido. Eu tinha 14 anos. Já faziam 20.
“Embarque imediato para Belo Horizonte...”
— Vamos pra fila? — convida, já ajudando a empurrar a minha mala, enquanto eu me atrapalho, guardando o livro na bolsa — Você se casou né? Mas, não tem filhos? Te acompanho pelas redes. Vocês parecem divertidos, adoro teus relatos de viagem. Qual o próximo destino? — segue no animado questionário, ao qual eu ainda só consigo responder com gracejos de cabeça, monossílabos e meios sorrisos (desconfio que meu cérebro derreteu). — Tô indo, com uns amigos, para o Peru. Fazer Machu Picchu e afins. Já esteve lá? Alguma dica?
Vasculho em minha memória os motivos para o término. Lembro apenas de uma decepção (ciúme? Rita Lee pede ‘desculpas pelo auê’, entre as minhas recordações escassas). Lembro também que fui eu que entrei com a bunda. E de um picolé, que ele insistia em terminar de tomar, lenta e audivelmente, enquanto proferia o seu monólogo final.
— Tô sentado lá atrás. Ih! Estamos bem longe — comenta, espiando o bilhete, em minha mão. — Tem planos pra hoje? Vai dormir na cidade, né? Conheço um lugar que, pelo que ainda me lembro de ti, deve ser a tua cara. Se topar, jantamos e você me dá as tais dicas de Cusco. Me dá teu número, acho que não tenho mais...
Fila 3, janela. Sento em minha poltrona. Pego o livro, a garrafa de água, o fone. Acomodo minha bolsa embaixo do banco. Fecho os olhos e respiro fundo, lentamente, tentando entender que tipo de brincadeira do Universo foi essa. Meu celular vibra.
“Pra você anotar o meu número. Bom vôo. Não pegue o café. É uma droga.”
“O lugar é esse aqui. 20h tá bom?”
Ao mesmo tempo, de um número bem conhecido...
“Embarcada? Boa viagem, amor! Te amo! Avisa quando chegar”.
(continua...)
E eu achando que tinha sumido para a edição de setembro... Gostaria mesmo de dizer que o motivo eram as muitas viagens do período. Até rolou umas férias gostosas, com algum saracoteio... Mas, apesar de vacinada (e agora, duplamente), a pandemia segue. E, confesso ainda estar temerosa, embora desesperada, para pegar um avião e desembarcar em um território novo, longínquo, de preferência com língua (ou sotaque) e cultura desconhecidos...
Na verdade, o atropelo foi o mesmo que, imagino, te encontre aí... Segundo semestre, que passa ligeiro; e as atribulações incompreensíveis de fim de ano (por que, exatamente, temos sempre esse sentimento doido de precisar resolver TUDO da vida até 31/12?). Para somar, estamos terminando uma reforma na Tasca, que tomou todo o tempo extra e boas doses de paciência... E, fomos surpreendidos com uma novidade inusitada: tem baby no forninho. A sua chegada, me deixou, literalmente, sem palavras (ou, vontade de escrever) nos últimos tempos (o que eu 'contei' aqui – sobre a escrita, não sobre o Franguinho).
Nessa loucurada, o jeito foi seguir viajando da forma como nos acostumamos nos últimos 2 anos: por meio da arte. E foi assim que, após muita insistência da Blondie (hey, babe!), desembarquei na Nova York do fim dos anos 50, para acompanhar as peripécias da fabulosa, divertida, leve, bem-humorada, Marvelous Mrs. Maisel.
A série não é nada nova. Já está na 3ª temporada (a 4ª vem aí!) e está disponível no Prime. Apesar disso, ainda não havia dado uma chance. Pois foi assistir os primeiros dois episódios para me ver totalmente vendida, procurando Wi-fi nos campings que passamos nas férias, para desfrutar de mais um pedacinho antes de dormir...
Mrs. Maisel é uma dona de casa judia, que vive na Big Apple caótica dos tempos de saias rodadas, chapéus e glamour old school. Tudo vai bem com o seu sonho americano, quando ela descobre a infidelidade do marido e, em meio a uma noite errante, se depara com um talento nato para o stand-up comedy. Super premiada, a série é um descanso para os dias turbulentos. Com diálogos bem estruturados, uma fotografia linda e uma trilha sonora primorosa, é impossível não se encantar com cada detalhe. Alerta de gatilho: aos não vegetarianos (ou talvez apenas às grávidas), vai dar vontade, mas MUITA vontade, de saborear sanduiches de pastrami (um atrás do outro). E na falta de uma filial da Katz Delicatessen, em Curitiba, dá para recorrer a versão delicinha do Burratatá.
Além da viagem no tempo e espaço, é impossível não comentar sobre as trips internas que a dona (da porra toda) Taylor Swift, nos proporcionou nas últimas semanas. Para além do fan zone, acho válido contextualizar: a loirinha perdeu os direitos de grande parte do seu trabalho, por questões contratuais. Dizem que ela tentou pagar por isso mas, entre desafetos com o responsável (fdp) da antiga gravadora, não houve acordo. E certamente ela deve ter sentado e chorado muito, diante deste cenário (eu, choraria. MUITO!). Mas, secou o rosto, arregaçou as mangas e começou a fazer de novo. Isso: ela está regravando os álbuns antigos, um a um. Com um ‘plus a mais’: versões especiais, músicas que não entraram na edição anterior, novos vídeos... E uma voz mais madura, mais segura e (como se fosse possível!), ainda mais especial. Os detalhes tão melhor explicados aqui. A bola da vez foi o Red, um disco especial que, nos idos 2012, marcou uma nova fase da cantora. E embora eu, particularmente, ache que vale escutar no repeat o álbum completo, destaco aqui a versão de 10 minutos de ‘All too well’, que ficou ainda mais incrível com esse curta, também dirigido por ela. O filme inicia, nada mais, nada menos, com Neruda (todico, aqui)...
“Es tan corto al amor, y es tan largo el olvido.”
(Puedo escribir los versos más tristes esta noche - Pablo Neruda)
Bônus (e depois eu juro parar de falar da Taylor — hoje.): essa outra versão de ‘All too well’, Sad Girl Autumn Version, gravada no Long Pond Studios. Alerta de gatilho #2: altamente não recomendável para fossas profundas. Se você acha que está no fundo do poço, acredite — é sempre possível cavar mais, muito mais, embalada por esse som.
Definitivamente eu não sou a única que viaja por essa internet. E dentre as tantas viajantes, hoje compartilho a Sarah, que além de uma leitora voraz, tem se mostrado uma escritora incrível e uma sagaz curadora de conteúdo. Depois de algumas remodelações, a sua newsletter, Invasões Germânicas, está tinindo. E chega fresca, quase toda a semana, entregando lindezas na caixa de entrada. Um textinho autoral, alguma dica, chuvas de reflexão boa... Eu adoro receber, fico logo toda faceira. E leio com gosto, salvo links, guardo na caixa para voltar. Não por nada, mas o texto dessa semana está, assim, um tiro. Vai por mim.
"eu nunca sabia como responder a suas pequenas bobagens e
por sua boca saiam tantas coisas desconexas que sempre me perdia nas nossas conversas"
(Invasões Germânicas # 37 - Modulação de Amplitude)
Prolixa que sou, prolonguei a viagem entre tantas paradas e a predileção antiga pelas estradas secundárias. Mas, antes que você decida pular do bonde andando, me despeço, com a promessa de voltar em breve, devendo a parte 2 do conto e mais alguns devaneios (e sem muita Taylor. A menos que a maluca decida nos presentear com mais uma surpresa, antes de fechar 2021. Ela tem dessas...).
Espero que tenha feito uma boa viagem.
Com carinho,
Mari P. Bragança
Obs.: sempre digo, vou repetir – o trem é grande, pode compartilhar que, nessa trip, a gente descola lugar para todo mundo.
Obs. 2: era só para não perder o costume e agora já esqueci o que ia dizer. Na certa que não era importante (até você se dar conta que esqueceu o pijama. Ou pior: a escova de dente)...