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Oi, sumida! - Parte II
(se você perdeu a Parte 1, está ; trilha sonora de cia? recomendo essa.)
Curitiba, 03 de dezembro de 2021.
O voo correu tranquilo. Com o celular desligado, preferi também deixar os pensamentos em ‘modo avião’, enquanto me transportava para as ruas de Bath das páginas de meu livro. E, logo que pousamos, desembarquei apressada, evitando mais um encontro. Isso me garantiria o dia todo, em prazo, para formular a desculpa que garantiria a troca desse devaneio insensato pela saborosíssima canja insonsa, do serviço de quarto.
Enquanto aguardava o Uber, aviso de minha chegada, desconfortável pela omissão.
“Em BH, amore. O dia promete. Mais tarde, eu te ligo. Te amo, bom dia aí.”
As horas se arrastam e, ao mesmo tempo, correm. Tento me concentrar na reunião, usando o velho artifício de sala de aula: caderno, canetas, anotações. Passadas algumas horas, porém, as páginas seguem brancas, com exceção do título. A cada 5 ou 10 minutos, desbloqueio o celular. Não há novas mensagens. Recebidas. Enviadas.
Perto das 18h, a reunião se encerra e tudo que eu desejo é uma chuveirada quente. A própria ideia, em si, me inspira a fazer o que deveria ter sido feito há algumas horas: printo as conversas com o Felipe e envio a elas.
“Call em 10? Vou tomar um banho e PRECISO conversar.”
Ainda de toalha, faço a ligação e sou atendida pelas duas, ao menor sinal de chamada.
“Como que você solta uma bomba dessas e sai para tomar um banho de 20 anos?”
“Onde estava o teu celular, a tua cabeça, para você só mandar agora?”
Das coisas que somente boas amigas são capazes: transformar um tormento em gargalhadas e elucubrações. Por elas incentivada, me arrumo e sigo para o endereço, há pouco mais de duas quadras de meu hotel.
“Vou jantar com um conhecido, num café aqui perto. Te ligo mais tarde. Tudo bem aí?”
O lugar é realmente um charme e a minha cara: uma mistura de café e livraria, com objetos antigos espalhados. Ao fundo, uma parede rosa pink ostenta clássicos, organizados por cor e tamanho. Entre os muitos volumes, outras tantas plantas. Adiantada cerca de meia hora, escolho uma mesa perto do bar. Corro os olhos no cardápio, sem me concentrar em nada. Cogito uma taça de pinot grigio mas, segundos antes de pedir, opto pela segurança da água com gás.
- Com limão espremido e sem gelo no copo, por favor.
Tímida, ansiosa, sem saber bem o que estou fazendo ali, uso o meu disfarce padrão e me escondo atrás de meu livro, desfrutando do efeito calmante que as palavras de Austen têm sobre o meu corpo.
Ele me avista de longe e já chega falante...
- Num é bacana esse lugar? As 20h30, se não me engano, um trio de jazz manouche faz um som ali - diz, apontando um palco pequeno, já com alguns instrumentos, entre banquetas de diferentes alturas. - E eles tem um risoto sensacional. – senta em minha frente, com a típica intimidade de falso morador da cidade, habitué forjado do café. Cumprimenta o garçom e pede um chopp gelado. Dá três tapinhas na minha mão, o que me faz corar pelo contato físico inesperado – Que massa ver você! Faz o que? 15? 20 anos? O que me conta? Reunião foi boa? O que anda aprontando?
O chopp chega. Caneca branca de gelo, suada. Quase me arrependo de não acompanhá-lo.
- Saúde! – brinda. – Você não bebe?
- Evito, durante a semana. – Minto.
Pedimos o tal famoso risoto. Passados os minutos de choque inicial, a conversa começa a fluir. Ele seguia uma ótima companhia. Falamos sobre viagem, trabalho, amigos e conhecidos em comum. Era, porém, tudo parte de um pequeno jogo, um flerte velado, unilateral. E eu, que com sol em leão, achei que teria o meu ego inflado, estava, na verdade, profunda (e disfarçadamente, acho), incomodada, com as (não tão) discretas investidas, com a insistente mania de tocar, de acariciar, de leve, a minha mão, enquanto falava (o que me fez, instintivamente, repousá-las no colo pelo restante da noite).
- Você segue formiga? Vou pedir uma sobremesa para dividirmos – fala, já chamando o garçom.
Tento recusar, dizer que estou satisfeita e cansada, mas ele insiste, completa o pedido e já estende a colher em minha direção. Meu corpo e mente suplicam por cama e silêncio.
- Será das coisas mais surpreendentes que tocará seus lábios essa noite, te garanto – e com uma piscadela, entre sedutor e malicioso, deixa ainda mais clara a comunicação não verbal. Dou um meio sorriso amarelo, largo a colher sobre o guardanapo e recolho as mãos novamente, temerosa que as carícias furtivas recomecem.
Ele pede mais um chopp. Faz uma graça desnecessária para a garçonete. Meu celular, sobre a mesa, vibra. Mensagem.
- Nossa, o que de tão interessante ocorreu, para te roubar todo esse sorriso? Tentei a noite toda e não fui capaz...
Na tela, uma selfie do marido, com um pijama descombinado, fazendo graça com a cachorrinha, torta e desengonçada. Desperto do transe. Meu coração se aquece. Percebo que, se incomodada, não tenho motivos para continuar ali...
- Acho que vou te deixar com a tal sobremesa irresistível – falo, já levantando da mesa, para evitar qualquer intervenção. – Foi legal te ver, fica bem. - dou um tapinha em seu ombro, costas, para evitar outro abraço. - Meu voo amanhã é bem cedo.
- Se importa de ir sozinha para o hotel? – testa franzida, um ar desconcertado.
- De jeito nenhum.
Acerto a minha conta. Com Ella (Fitzgerald) de trilha sonora, deixo o café, rumo ao hotel. A noite de Belo Horizonte está quente.
Pego o celular para responder o marido, sorriso ainda rasgando a face. Ignoro a hora e digito para a minha terapeuta.
“Acho que resolvi o tal caso dos sonhos com aquele ex. Sinto que não vão ocorrer mais. Te conto na quarta. Boa noite!”
Ainda estou incrédula com a velocidade que esse semestre, esse ano, passou. E embora tenha sido um verdadeiro sopro, foi daqueles intensos, como brisa de verão, predecessor de ventania. Tanta coisa aconteceu que, só de pensar em fazer o balanço, o que adoro (mais alguém?), me sinto cansada. A exaustão desses meses malucos pesa nos ombros e me faz preferir curtir os dias de dezembro, com o calor voltando (quando eu digo ‘calor’, leia-se: ligaram o forno de Curitiba na temperatura mais alta), as luzes de natal invadindo a cidade, uma ou outra confraternização que, dessa vez, me arriscarei a ir (com os devidos cuidados).
Embora os tantos acontecimentos tenham assolado os dias de 2021, grande parte deles ocorreram entre as quatro paredes da Tasca ou, quando muito, nas varandas e gramado, agora bastante esburacado (com as honras, Costelinha, um meliante, do tipo ‘porco-aranha’ em forma de cachorro, que adotamos, num susto - surto - de amor a primeira vista, em agosto), da casa de Coroados. E eles foram embalados por muita música, alguma leitura, filmes, séries e cafés da manhã preguiçosos.
Quando eu digo ‘muita música’, o Spotify não me deixa mentir sozinha. Espiando a minha retrospectiva, descobri que foram quase 40 mil minutos passados em boa companhia sonora, seja por playlists gostosas ou até por um ou outro podcast (que perdi um pouco o ritmo, uma vez que eram as minhas parcerias de deslocamento, no carro, no ônibus, a pé – o que, ainda assim, não ocorreu muito...). Dentre as coisas que descobri no aplicativo, esse ano (lenta? Talvez...), estão as ‘rádios’ de determinadas bandas e cantores. Sabe quando estamos ouvindo um disco bacana e pensamos “putz, amo esse som. Ouviria muito mais nesse estilo...”? Então... É sobre isso. Das minhas preferidas, para trabalhar, escrever, ler, cozinhar, ficar de boas... O blues da Lianne La Havas, o charme uruguaio de Jorge Drexler e o jazz de Ella Fitzgerald, que embalou o conto-novela das últimas edições. Um adendo ('pra não dizer que não falei de flores'): você já ouviu, hoje, a palavra de ‘Paciente 63’? (Com os créditos e meu profundo agradecimento: Danona!)
As leituras também não foram poucas. Pelo goodreads (se quiser me acompanhar por lá, tá aqui), tinha me colocado a meta de 40 livros, inspirada na incrível Martha Medeiros (de 2019. Em 2020, ela leu 60. Não tive tamanha ousadia...). Surpresa, superei a meta (de 40), em um ou outro título, e meu ascendente em virgem vibrou, faceiro. Da lista de muitas preciosidades, me desafiei a conhecer melhor Jane Austen. Ok, eu sei: literatura elitista inglesa de 1800 e bolinha, 'blábláblá, whiskas sachê'. Com todo o respeito e carinho a quem, até hoje, vive essa triste realidade (obrigada, Lou, por tamanha discussão), trago aqui o mérito dessa romancista, que morreu os 33 anos (sim, 33) e deixou 6 romances, entre outros escritos, com pitadas feministas, dos quais ainda falamos, 200 anos depois. Nunca havia dado uma chance para a escritora e, após a edição de clássicos do Clube das Chicas de fevereiro (?), que trouxe Persuasão (somada a também persuasiva Le, da Lemmar – sim, os pijamas perfeitos de lá são melhor harmonizados com esses clássicos da literatura britânica), fiquei vendida. E agora em dezembro, estou no finzinho de Mansfield Park, o último romance, que me faltava. Das muitas edições, coloquei em minha estante a coleção linda da Martin Claret (na minha ordem de leitura, não de preferência: Persuasão, Emma, Orgulho, Razão, Abadia e Mansfield – de contos, Lady Susan, o próximo e derradeiro) – além da figurinha repetida, Orgulho e Preconceito, da irresistível Antofágica. Recomendo todos. São um afago na alma.
Mas nem só de livros e boa música se vive. Por aqui, especialmente nas manhãs de domingo, a dupla é bem servida com um café preguiçoso, daqueles que se estende fácil até as 2h da tarde (acho que já falei sobre isso...). Pão, ovos, frutas frescas. Um suco, café preto, moído na hora, preparado na prensa francesa. Recentemente, vacinada, carreguei as amigas para esse hábito viciante. E fazendo as vezes de Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha (sim, elas estão voltando – quase todas – e falarei sobre, logicamente, em muito breve), temos desbravado a cena de brunch dominical de Curitiba. Dos provados e aprovadíssimos, até o momento, o inusitado Grés, na praça da Espanha (excelente em todos os momentos e refeições. Vai por mim.); e o charmoso Chez Margot (que, como se já não tivesse uma vibe old school incrível, está ainda mais lindo, decorado para o Natal). Adicione mimosas e alguma horas de tagarelice na combinação. Não precisa agradecer.
O papo está bom, mas, como sempre, tomei conta, com uma falação sem fim (‘quem sai aos seus não degenera’). Te deixo, então, na esperança que me troque por Austen, ou que tenha me lido com café e Ella, Peggy, outras (não com fome, espero). Prometo voltar antes de virar a chave do ano, para nos despedirmos da loucura coletiva que foi 2021.
Com carinho,
Mari P. Bragança
(Sem observações, já falei demais. Mas, se quiser compartilhar, já sabe que me fará feliz...)