#6
Abrindo, também, o coração
(editado e bom de ser lido ao som de Cuca Fresca - contradição? Meu sobrenome)
Coroados, 31 de dezembro de 2021.
Tentei escrever algo leve, daquelas coisas que eu gostaria de ler nos últimos dias do ano, no auge do início de mais um verão (privilégio sulista esse, de começar ciclos, regidos pelo astro-rei). Mas, 2021 foi duro. Duro do tipo amanhecer chorando, de soluçar, na última segunda feira de dezembro. De férias. Duro do tipo fichas que caem, se espatifam. Constatações que doem. Agruras. Inesperadas. Incontáveis.
Estou puta. Cansada. Cansada e puta.
Ainda assim, quando eu digo que foi duro, que estou exausta, uma culpa enorme pesa sobre os meus ombros, me aproxima do chão. Me relembra de ser grata pelas tantas coisas bacanas que também ocorreram, pela luz e sombra de todo o fato ou ato que nos cerca. E diante de minha bolha, cristalina e flutuante, encaro em seu reflexo os meus desafios, frente aos de tantos outros. Verdadeiras escabrosidades.
Leonina de sol, sou uma virginiana (de ascendente) autêntica. Isso me leva a ter uma vida baseada em planos e listas. E não daqueles que se esquecem, resoluções a serem quebradas. Mas objetivos, entre reais e impalpáveis, todos perseguidos arduamente, num mood Dory de "continue a nadar, continue a nadar...". Nada.
Nesse bater pernas, e metas, por vezes (repetidas), sentimentos são deliberadamente ignorados, confundidos, julgados. Os meus. Em detrimento, sempre, do que parece certo, imagino ideal, seja importante aqueles a minha volta. Amados. Colegas. Desconhecidos - não importa. Embora todo esse discurso pareça uma martirização desnecessária, ele tem nome, sobrenome, endereço e caixa postal: ego ferido, inflado, GRITANDO, em busca de validação. E certa dose de prepotência, sim. (Eu disse que era leonina...).
Pois bem. Em agosto, uma notícia que, embora desejada, foi um tanto inesperada: grávida. Você está grávida. Você será mãe (e não sem medo e arrepios, escrevo, digito e releio isso, nas muitas revisões desse texto - tem disso). Sinto. Como num passe de mágica, o serzinho que habita o meu ventre, antes de qualquer outro pedacinho de corpo, coloca logo as asas de fora e me obriga a isso. Sentir. E sendo o bicho que sou, que somos, não nego ao chamado. Para cada prazo, havia uma manhã de enjoo. Entre reunião e outra, tomar as vitaminas, agendar o próximo exame, fazer um lanchinho. Diante dos planos, todos traçados na lista de 2020 (que deveria, mas, pelo visto, não me ensinou muito), sentimentos malucos me fazem deitar e chorar, em posição fetal, incapaz se quer de ler, ver tv, clamar por ajuda. Mesmo para cada palpite, conselho ou carinho e abraço, um medo. Daqueles que dominam os sentidos, tomam conta de meu corpo, transbordam de meus olhos e do meu estômago, só não mais sensível do que eu.
Entre atropelos do "nascida para seguir, forçada a sentir", passam semanas, meses e chego em dezembro. Meu mês preferido. O primeiro de encontros, depois de tanto isolamento. Chego, porém, destruída, a batalha que travo, eu e a natureza (a tal prepotência, de novo). Me locomovo como um zumbi. Durmo pouco e quando durmo, não descanso. Mas me apego. A cada abraço, ternura, presença - seria essa a recarga para as baterias faltantes?
27 de dezembro (quando escrevo essa crônica? reflexão? desabafo?). Há 10 dias, estava diante do celular, na última consulta com a Tati [minha terapeuta holística], que planejamos para ser presencial (daqueles planos que, bem...). Ao final, após reiki e balanço, ela me indaga: "o que você quer sentir em 2022?"
A pergunta soou, e ainda soa (em 27/12, quando escrevia; em 30, quando edito; em 31, antes de enviar; e certamente soará, quando quiser reler isso aqui ou o meu caderno vermelho...) como um convite. E mesmo diante do compartilhar que a minha feição de tela-azul deve ter forçado: "uma cliente, dada às listas, já tinha feito a sua para o próximo ano, quando se pegou em contradição querendo sentir paz - 'quantos dos meus itens projetados, em modo automático, não a tirarão, na realidade?", fico com o meu sentimento (olha ele, de novo!) primário. Nem amor. Nem paz. Nem leveza. Ou de tudo isso.
Em 2022, eu quero sentir.
O que vier. Em sua magnitude, intensidade, complexidade. E sem precisar que um boost de hormônios me lembre disso.
Que a gente sinta. Junto. E muito.
Com carinho (e uma gratidão imensa por dividirmos devaneios em meio ao caos),
Mari P. Bragança
Obs.: tinha separado um monte de dicas para esse recesso, os dias off. Mas em meio à intensidade do convite da Tati, que também te faço, a sugestão é essa. Sentir. Fazer o que sentir, o que fizer sentido.
Obs. 2.: mas, caso o radar esteja fraco (oi prepotência! Você de novo por aqui!?), fica uma dica de livro que ainda hoje vira filme na Netflix: A Filha Perdida, da (incrível, cirúrgica, fantástica, dona da porra toda) Elena Ferrante. (falei e sai correndo).