#7
Despedida praiana
Curitiba, 03 de fevereiro de 2022.
“Da janela do escritório, contemplei o sol poente, finalizando um janeiro quente, abafado e cheio de expectativas. O início das festividades da tão ansiada despedida da Rebeca se aproximava – em meados de março ela se mudaria de estado – civil e geográfico. Depois de 15 anos de amizade, o protocolo pré-nupcial foi planejado em detalhes: festa do pijama, noitadas em nossos restaurantes preferidos, tequilas no Taco. Tudo isso, iniciado com um belo final de semana de sol e praia. Apenas uma coisa estava me intrigando: a iminente presença da Diana.
Nem acreditei que ela realmente fosse, até aquela mensagem, anunciando a sua participação completa – A REBECA VAI CASAR, PORRA! Mesmo depois, desconfiei que ela seria capaz de arranjar uma desculpa. Há cerca de três anos, desde o início daquele namoro intenso, turbulento e, aos nossos olhos preocupados, complicado, a Diana vinha se afastando – de nós, de si mesma. Após tanto tempo desconectadas, a minha zona de conforto me dizia que a sua ausência seria mais segura, embora eu estivesse morta por rememorar todos aqueles momentos que partilhamos desde a nossa adolescência. Em menos de um mês, após o casamento, ela também mudaria de cidade e algo me dizia que a verdadeira despedida era dela - se, morando a menos de 3 km, já nos víamos pouco, com a distância, as justificativas se tornariam desnecessárias.
De forma insensata, mas cuidadosamente planejada, desenhei o roteiro, pegando cada uma das meninas antes de passar pegá-la. Não conseguia imaginar ter conversas vazias com alguém com quem eu costumava dividir a minha alma. Ela era o meu porto-seguro, minha soul mate. Partilhávamos nossa intensidade, os aniversários leoninos, litros de vinho - malbec pra cima –, mais do que apenas confidências. E a vida nos surpreendia com uma série de casualidades coincidentes, como se, diante do universo, fôssemos verdadeiras irmãs, gêmeas nascidas de pais diferentes, com pouco mais de 40 horas de intervalo.
Carro cheio, estacionei em frente ao prédio e, ao menor som da buzina, a vi acenar da sacada, mochila nas costas, travesseiro embaixo do braço. Em menos de dois minutos, esbaforida, mas sempre impecável, em seus trajes cheios de estilo, ela apareceu, justificando o rubor pela escolha da escada - o elevador estava no último. Fiz esforço para não revirar os olhos. Sabia bem que não passava de um teatro, um discurso ensaiado, numa tentativa frustrada de esconder o desconforto de estar ali, conosco.
Ainda assim, as saudades eram grandes. Era a primeira vez que nos víamos naquele ano. Foi impossível conter a empolgação de estarmos todas juntas, celebrando. Em poucos segundos, começamos a sessão de abraços apertados, gracinhas e gritinhos. Mais uma vez, dentro da Scènic Verde, Rê sentou-se ao meu lado, já de véu, e, controlando o som, colocou um de nossos hinos - Leona Lewis, em sua homenagem, Di. Ela, sentou-se atrás da Rê, na janela, ao lado da prima, Bianca, que reclamava ter ficado no meio.
‒ Compramos umas 16 garrafas de espumante rosé! - anunciou a Lari, empolgada, mais para quebrar o gelo.
‒ Todas moscatel. Fui voto vencido. Se você tivesse ido ao mercado comigo, tomaríamos algo que não nos conduzirá ao inferno de forma dura logo na primeira noite – alfinetei, incapaz de esconder o sarcasmo e certa irritação na voz.
As músicas seguiram e logo estávamos as cinco cantando alto, enquanto a noite caía. Aos poucos, nos aproximávamos da serra. Apesar da felicidade desmedida de estar com elas, não conseguia deixar de pensar na fragilidade e, aparente, frivolidade de minha amizade com a Diana. Sim, estávamos enfim juntas. Ao mesmo tempo, parecia que havia uma barreira intransponível. Ela estava ali, mas era como se, mais uma vez, não estivesse. E embora certo tempo já tivesse passado, desde o dia que ela começou a se afastar, ainda me sentia incapaz de superar tamanha ausência. Com a cabeça a mil e precisando refletir, antes que o álcool tomasse conta das ideias e desse vida a palavras que certamente não gostaria de pronunciar, pedi:
‒ Gente, tenho pouca experiência na boleia. Vamos sossegar um tico, para que eu possa prestar atenção? Rê, assume a navegação e dá uma abaixada no som.
As conversas paralelas começaram e eu pude focar na estrada e nas vozes gritantes de dentro de minha cabeça - ah, tá. Ela vem e finge que tá tudo bem, que vocês se viram no último final de semana; sossega Luisa, todo mundo já passou por isso, você também já se envolveu com alguém que te afastou de todas elas, por muito tempo; MAS EU TINHA QUINZE ANOS, NÃO QUASE TRINTA.
Em meio aos gritos silenciosos de meus devaneios solitários, porém, não conseguia deixar de pensar em seu olhar perdido de quando chegamos para busca-la.
Quase entrando em Garuva, o cansaço da estrada pairou entre todas e o som diminuiu mais uma vez. Restou a Rê, cantarolando Lulu baixinho e os ressonos da Lari, que cochilava. Ao fundo, Diana e Bianca conversavam apenas entre si. Tomada por uma dose de amor e calmaria, venci o orgulho:
‒ O que tanto cochicham aí, as primas?
Murmúrios.
‒ Oi?
‒ …
‒ Tecla SAP?
‒ EU TO CHORANDO, PORRA!”
(continua...)
Feliz 2022! Feliz novo ano lunar! - Sim, já é fevereiro, mas a intenção ainda é de todo o coração... Depois de uma bela noite de sono, como há tempos não percebia que não tinha (sou dessas. Mais alguém?), resolvi organizar as ideias dessa primeira edição, que está sendo rascunhada há quase um mês...
O conto, para quem já me acompanha, é um pedacinho de um velho conhecido – das coisas incríveis que, em meio ao caos, ocorreram em 2020/21. Ele faz parte da Coletânea Olhares Empoderados, que publiquei em e-book no último abril, junto com um time de escritoras incríveis. Ela foi resultado da oficina de escrita homônima, conduzida pela Mylle, da Têmpora Criativa. Está disponível na Amazon, para compra ou gratuitamente, para assinantes do Kindle Unlimited.
Ele fala sobre amigas. Sobre amizade. Daquelas longas, que dão um quentinho no coração. Refletindo sobre o que foram esses dois anos, que já tão se mostrando uma trilogia (yeeey - #sad), de fato, ter pessoas incríveis por perto foi a grande salvação. Áudios intermináveis no whats app, vinho terapia por zoom, memes divertidos trocados por DM no instagram. E, quando expandimos a bolha pandêmica, os desejados abraços, as gargalhadas de doer a barriga, as horas de tagarelice, ao vivo, foram (são) a recarga de bateria necessária. Posso dizer que sou daquelas privilegiadas, que tem amigos-irmãos, com quem trilho os caminhos da vida, há alguns anos. Eles enchem (enchiam? Encherão!) a Tasca de gente e de vida. São nossas famílias por escolha.
Talvez por isso, escrever, ler, consumir todo o tipo de cultura sobre o tema, me fascina. Nessa, me joguei, incentivada pela Bárbara do queria ser grande, n’As Inseparáveis, de Simone de Beauvoir. O livro, escrito pouco antes do Segundo Sexo (pode-se dizer que muitos dos fatos ali narrados fizeram o caldeirão da autora fervilhar), conta sobre a amizade dela com a Zaza.
“– No catecismo nos ensinam que devemos respeitar o nosso corpo; então, vender-se no casamento é tão ruim quanto se vender fora dele – disse.”
Amigas desde a infância, numa Paris de pós-guerra, acompanhamos o seu desenvolver, como mulheres, como irmãs de alma. Bônus: as cartas, por elas, trocadas; as muitas fotos incluídas nessa versão da Record... Em tempo: Simone teria feito 114 anos em janeiro. Essa foto, acompanhada da reflexão da Renata Corrêa, só fizeram aumentar o encantamento por essa, que tenho como inspiração na vida, nas paredes do escritório.
E sim, é impossível falar de amigas, sem trazer a mais recente temporada de Sex and the City, que chegou ao final e deu o que falar, entre críticas, expectativas, comentários e memes com a Che (entendedores, entenderão). Sou fã da série desde os tempos de colecionar os DVDs com cada um dos episódios. Para além da amizade feminina, ela aborda outro tema que sempre me encantou: a escrita (embora haja uma controvérsia séria, da qual também me questiono, sobre como uma colunista de jornal, viveria no SoHo em NYC e gastaria os tubos em restôs da moda, sapatos assinados e litros de cosmopolitan). Pois bem. A série envelheceu mal e foi duramente alvejada, devido à branquitude predominante, a sexualização de homens pretos (ditos exóticos e cositas mais), a estereotipagem da homossexualidade masculina, entre outros aspectos levantados nesse artigo da TPM. Assim, os produtores de And Just Like That buscaram caminhos para corrigir, ou apaziguar, as falhas do passado, visando, logicamente, reconquistar o público.
Estou completamente de acordo com os pontos levantados, mas, na minha humilde visão e completa ausência de lugar de fala, gostaria mesmo é de enfatizar as características favoráveis, que tornaram o quarteto um sucesso, há mais de 20 anos. Como boa fã, resolvi assistir novamente as seis temporadas, antes de encarar a nova. E mais uma vez, fui surpreendida pela quebra de paradigmas relacionada à temas como: sexualidade feminina, maternidade, machismo, entre outros tantos, abordados com leveza e diversão. Nesse artigo, publicado pelo Diário do Nordeste, um pouquinho antes de ser liberado o primeiro episódio, a escritora Lorena Portela falou sobre tudo isso e ainda trouxe um ponto sensível, que não havia notado (tamanha a normalização), mas que achei espetacular:
“Mulheres não precisam competir por homens: em seis temporadas, 94 episódios e dois filmes não há uma vez em que uma das quatro brigue com outra por conta do interesse no mesmo cara. Parece básico, mas é louvável. Mesmo na semi-desconstruída Girls, Hannah (Lena Dunhan) destrói suas amizades por contas de rapazes (péssimos, por sinal). Dá uma canseira.”
Vale a leitura do artigo como um todo (tal qual, de tudo que a Lorena-maga-Portela produz, em especial, seu livro de estreia, Primeiro eu tive que morrer). Ainda não sei a opinião dela sobre o final de AJLT, mas deixo a minha: embora algumas coisas tenham me incomodado, especialmente da metade para a frente, a série deu sim um quentinho no coração. E sigo esperando, ansiosa, por envelhecer ao lado das minhas amigas amadas.
Não exatamente sobre amizade, mas especificamente sobre BOA amizade: tem coisa melhor do que harmonizar tagarelice e boa mesa? Por aqui, nossos encontros, mesmo nos tempos virtuais, sempre envolviam uma taça (vou fingir que era só uma) de vinhote (saudades, inclusive) e comidinhas gostosas. De fato, pós tantos anos, não nos tornamos grandes entendidas, mas sem dúvida, somos umas curiosas neste meio e trocamos figurinhas a respeito, enquanto subimos a qualidade (e o preço, verdade seja dita) de nossas experiências gastronômicas. Deixo, então, duas dicas rápidas, para adentrar nesse armário rumo à Nárnia da perdição: a matéria do Andrea Torrente, para o Plural, sobre os mitos e verdades do mundo do vinho (com direito a link para o e-book gratuito lançado pelo e-commerce Grande Adega); e o perfil da Debora Gomes, recheado de reels totalmente satisfatórios sobre comida, que me foi apresentado pela minha amiga (posso?) virtual, Puri (by Chicas). Alerta: em especial, o último, não recomendo acessar com fome.
Para fechar: a Bárbara (de novo! A news dela é tudo! Acompanha lá!), pouco antes dos stories serem tomados pelas ‘5 curiosidades sobre mim’, trouxe esse link do Cup of Jo (outro site delicinha), sobre um jogo que a Nora Ephron seguiu, por muitos anos. Em uma tradução tosca do quote original:
“Nós temos um jogo que costumamos jogar enquanto esperamos por uma mesa em um restaurante, no qual você tem que escrever 5 coisas que te descrevem em um pedaço de papel. Quando eu estava [nos meus 20 anos], eu havia posto: ambiciosa, graduada pela Wellesley [uma prestigiada universidade feminina, localizada em Massachusetts], filha, democrata, solteira. Dez anos depois, nenhuma dessas cinco coisas apareciam em minha lista. Eu fui: jornalista, feminista, nova iorquina, divorciada, divertida. Hoje, novamente, nenhuma dessas cinco coisas permanecem: escritora, diretora, mãe, irmã, feliz”.
Embora morra de preguiça desses movimentos coletivos das redes sociais (ainda que pare e leia cada uma das curiosidades de pessoas aleatórias, por motivos de: curiosa), achei a provocação da Nora uma forma interessante de pensar como enxergamos a nós mesmas, através dos anos, ao longo de toda a vida. As minhas cinco? Ainda sigo em busca. Mas, sem dúvida, para hoje – e, espero, sempre – uma delas será amiga.
Com carinho,
[e com um beijo especial para as minhas amigas e amigos, que para além de me lerem e apoiarem os meus devaneios, ainda emprestam as tantas vivências para as minhas criações...]
Mari P. Bragança
Obs.: Compartilha aí, com aqueles que você também tem o privilégio de chamar de amigos. Aproveita pra marcar aquele vinhote, on line ou de pertinho... É satisfação garantida.