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English tea
Curitiba, 13 de junho de 2022.
Ainda que tivesse conhecido grande parte da Europa, por acompanhar o marido, vez ou outra, em viagens de trabalho, Londres foi uma das cidades queridas de minha avó. Visitando todos os dezembros, por conta de uma feira de máquinas agrícolas frequentada por meu avô, era lá que ela encontrava ‘todas as novidades’, vivendo em uma Lisboa provinciana, dos anos 50, 60, 70; e, mais tarde, num Brasil pré-globalização, dos anos 80 e início de 90. Havia a loja preferida dos fios, agulhas e alfinetes - "são os melhores, filha. Os outros não prestam para nada"; a das meias de seda – que usava aos montes, pois dizia só ter deixado as saias uma única vez - "um horror"; a das calças de lã, para as crianças - "não há igual em parte alguma"; a dos chás, sempre pretos, levemente adoçados, servidos em xícaras verde-claras, em bandejas ("para evitar farelos"), dispostas sobre a mesa da cozinha, para acompanhar bolachas de água e sal com manteiga ou scones, recém assados. Mas, era a paixão pela realeza britânica que a encantava, verdadeiramente. Devorava biografias de todo e qualquer condecorado e acompanhava cada detalhe dos ditos ‘eventos reais’ - casamentos, nascimentos, coroações, fossem eles transmitidos pela televisão, ou vivenciados, presencialmente, nas ruas decoradas com a Union Jack, dos arredores do Buckingham Palace.
Comigo, não poderia ser diferente. Neta mais velha, apaixonada por princesas, casamentos e, especialmente, por ela, ficava fascinada ao ouvir cada uma das histórias (até hoje, rio sozinha ao lembrar da minha alegria com a chuva naquele 14 de abril de 10 anos atrás - pelo tio Pedro, ‘casamento molhado, casamento abençoado’ - ensinamento repassado ao assistirmos, juntos, o enlace de uma das princesas de Mônaco). Dentre as tais histórias, a minha favorita: das canecas comemorativas, souvenires que eram (são!) personalizados e comercializados, para marcar as datas festivas da família real.
Em 2011, após um longo período de calmaria, com uma grande festa e burburinho, ocorreu o casamento do príncipe William com a, então plebeia, Kate Middleton. Já no Brasil e sem muito mais viajar, avó Ita ficou toda triste de não conseguir uma lembrança para a sua coleção - "gostava tanto de ter alguém indo a Londres para me trazer uma canequinha"... Sensibilizada, virei a internet de cabeça para baixo (2011, gente), descobri a loja oficial da coroa britânica e consegui, a duras penas, pagando em libras (que já eram um rim) e taxada pela receita (ela, no caso, pois enviei de presente), o tal regalo.
Virou coisa nossa.
De viagens aleatórias (leia-se: Disney. Mais especificamente: pavilhão da Inglaterra no Epcot Center), sob protesto - "oh, filha, foste gastar outra vez!" - trouxe outras, quando a prole do mais novo casal começou a nascer. Estas, foram juntas às demais, em frente aos livros de mesmo tema, na estante da sala de jantar – relíquias que remetiam da coroação da rainha Elizabeth II ao casamento de Lady Diana com o Príncipe de Gales (agora, também Duque de Edimburgo).
Numa coincidência triste, minha primeira vez na terra da Rainha foi acontecer somente poucos dias após a sua partida. Com o coração saudoso, trouxe a minha primeira caneca, que se juntou às dela, então herdadas. Hoje, unidas a outras, figuram, espalhadas pela Tasca, relembrando suas paixões, também minhas – daquelas que não há libras que paguem.
Olha quem apareceu! Agora, escrevendo a quatro mãos, com o herdeirinho de nome real no colo, mato a saudade desse espaço, inspirada pelo Jubileu de Platina da Bethinha – que além de me falir com mais uma caneca para a coleção (coming soon), me fez pensar, mais e mais, em minha amada avó - que se deleitaria com cada especial, documentário, nota... E, com esse vídeo tão querido, no qual a rainha celebra o reinado com ninguém menos que o Paddington Bear. Uma gostosura, para ver e rever (créditos da descoberta: a última edição da incrível news NAZA – assinem!).
Embora a Rainha, tal qual o Paddington Bear, prefiram o backup de um sanduiche de marmelada, nos dias frios e corridos, entre mamadas e as MUITAS trocas de fraldas, a companhia perfeita para os litros de chá de camomila e de erva-doce (que reza a lenda, ajudam na produção de leite), são os scones – tradicional pãozinho adocicado inglês, normalmente consumido no english tea, acompanhado de geleia e natas. Uma busca rápida pela rede me resultou em uma quantidade imensa de receitas, um tanto quanto mais complicadas que a de minha avó, por exigirem rolo de abrir massa e cortador específico. Apesar de simplificada, a receita da família garante uma fornada deliciosa em poucos minutos e sem muito trabalho. Recomendo fortemente!
Scones da Vó Ita
Ingredientes:
6 col. sopa de farinha de trigo
1 col. sopa de manteiga (em ponto pomada)
1 col. sopa de açúcar
1 col. chá de fermento químico
1 pitada de sal
Leite para amassar (pouco menos de 1/3 de xícara)
Preparo:
Junte a manteiga com os ingredientes secos e amasse bem. Acrescente o leite, aos poucos, apenas para umedecer, até que a massa se torne moldável com as mãos (e apresente uma consistência pegajosa). Com a ajuda de duas colheres de sobremesa, faça bolinhas e as disponha, espaçadas, sobre uma assadeira antiaderente ou previamente untada com manteiga e farinha. Asse em forno aquecido a 180 graus, até que estejam firmes e dourados (cerca de 10 minutos). Sirva quentinhos, puros, ou acompanhados de manteiga ou nata e geleia. Rende 8 unidades pequenas.
Scones, são bons. Chá, é delícia. Mas, cá entre nós, a versão brasileira do clássico inglês, regada a pingado e pão francês (que apesar do nome, é original deste lado do Atlântico), ainda é imbatível. E é essa nossa instituição chamada 'café da tarde' o tema da última edição da Coifa - Histórias de cozinha, que conta um pouco da história dessa refeição tradicional. De quebra, um 'guia', com endereços paulistanos deliciosos para apreciar in loco ou levar quitutes para casa. Inspirada, já estou riscando os dias no calendário para os três meses do neném - quando ganharemos a carta de alforria da pedi e poderemos mapear uma versão curitibana – me aguardem.
Todo mundo tem um vício, uma mania meio obscura, do qual não obrigatoriamente se orgulha. Para além da queda por chás e cafés gostosos (a qual esbravejo aos quatro ventos, não somente por aqui), tal qual minha mãe e avó, cultivo um fraquinho por romances água com açúcar. De roteiro padrão, esses livros de capas bonitas me são mais eficientes para ansiedade do que dose generosa de sertralina. Dentre os preferidos, aqueles ambientados no Reino Unido ou França, cuja história combina amizade, livros, comidas e um amor tranquilo. Nessa fase de madrugadas longas e concentração curta, esses clichês literários têm sido boas companhias. Do Goodreads, os últimos devorados: A pequena livraria dos sonhos, de Jenny Colgan; O segredo da livraria de Paris, de Lily Graham; e O café da praia, de Lucy Diamond (que inclusive, ao final, também traz uma receita de scones – mas a da vó Ita é mais fácil, vai por mim).
Sendo a vida feita de equilíbrios, para cada romance clichê, um clássico. E essa semana, dois ícones da literatura moderna são celebrados no mundo todo – isso porque, coincidentemente (?!), suas histórias mais conhecidas são ambientadas em dias específicos de junho, que viraram palco para celebrar os seus autores. No dia 16/06, comemora-se o Bloomsday, em referência ao Ulysses, de Joyce. Mas, ainda vibrando com o movimento promovido pelo momento histórico atual, de massiva escrita e publicação de mulheres no Brasil, peço licença ao irlandês e sigo na ilha britânica, para saudar ela, que tanto nos encorajou a escrever, buscando um 'teto todo nosso'. É que numa quarta-feira, do meio de junho (esse ano, 15/06),
"Mrs. Dalloway disse que iria ela mesma comprar as flores."
(frase de abertura de Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf)
E, por tal, nesse dia, nomeado Dalloway day, relembramos a obra e vida de Virginia Woolf. Dentre as tantas comemorações, a The School of Life e a Editora Nós promoverão um Chá das 5, temático e presencial. Fiquei morta de vontade de ir e de tristeza por não estar em SP na data. Pois bem: na quarta, teremos scones, para um english tea. E eu mesma vou comprar as flores.
Com carinho,
[e a velha promessa de não mais sumir por tanto tempo...]
Mari P. Bragança