Curitiba, 20 de novembro de 2023.
Qual o verdadeiro sentido dessa coisa louca que chamamos de vida? O que fazemos nós, nesse universo, nesse exato tempo? Porque nos colocamos na posição ingrata (ainda que cheia de privilégios, em meu recorte) de explorados, enquanto poucos podem ostentar a situação de exploradores? Como foi que nos diferenciamos, nos afastamos de nossa própria natureza?
Um clássico: estou cansada. Exausta. E os lapsos mentais de sanidade fazem com que eu observe o mundo com um olhar crítico de quem diz: “eita, não! Porque?”.
É mais uma segunda-feira. Na noite de ontem, o meu bebê “tranquilo para dormir” nos mostrou a faceta “olha o que acontece quano vocês zoam a minha rotina por dias consecutivos”. Como de costume, pós banho, fui com ele para o quarto para mamar - já um tanto cansada. Era algo como 21h30-21h40.
Não vou descrever cada detalhe, pois talvez a sábia mente materna nem permita a lembrança. Mas, desisti logo de ficar sentada e, depois de muito ninar bebê e sansão, consegui ir para o meu quarto, a minha cama. A uma da manhã.
Isso não impediu o clássico mamar da madrugada, claro. Quanto menos o pré-despertar sedento, das cinco. Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa.
O que me pegou, porém, foi a manhã. Perto das sete, Pedro acordou animadíssimo, querendo conversa. Mostrou o cabelo bagunçado, atropelou minhas pernas na cama, desceu de barriguinha, correu até a sacada olhar o dia.
Nós, atrasados.
Luciano saiu correndo, trocar fralda e vestí-lo. Eu, meio zumbi, desci preparar o desjejum. Pedro continuava querendo conversa - me viu deixando o quarto e, enquanto colocava o moletom, chamava por “mamãe” e apontava o, então, livrinho preferido.
“Oh!”
Já lá embaixo, comecei o corre: descongela marmita, mexe o mingau, aquece a água, moe o café, corta o pão, liga a chapa. Logo, eles se juntaram a mim. Luciano tenta montar fraldas que ficaram secando de madrugada, enquanto Pedro joga para nós os carrinhos de fricção, esperando por um retorno, que não atingido, gera frustração, na forma de gritos e choramingos. Tentamos interações breves e distraidas, que não satisfazem a mini pessoinha que, irritada, suplica por colo.
Mingau fica pronto. O ritual é um potinho sobre a torre montessori colocada em mesinha, para comer com calma e conversa. Já passam das 07h30. Luciano se apressa, atrasado. Pedro reclama novamente. Oferecemos um pouco da experiência. Ele se satisfaz brevemente, saboreando as colheradas, até que o potinho se esvazia.
“Bááá” - seu pedido por mais.
Luciano intervém: “no carro, filho”.
“Bá. Bá. Báááá”, agora, com choro.
Coloco mais uma colher para ele.
Está tudo montado, naquele caos matinal. Nos dirigimos para o carro, enquanto Pedro, inconsolável, se debate, sem ententer a brupta interrupção da refeição - até se acalmar, em sua cadeirinha, com o seu potinho.
Me despeço e os vejo ir. Volto para casa, agora para a minha corrida contra o tempo, e um desconforto. Tomo mais um gole de café e sigo. Isso também terá que ficar para depois.
Essa não foi a segunda-feira de hoje. Muitas semanas cansada, depois, resolvi desligar um pouco a cabeça do mundo externo, para me conectar com o que havia dentro da Tasca. Deixei o celular carregando ao lado da cama e aproveitei o final de semana com os meus meninos, na simplicidade e boniteza que é se estar de corpo e alma em algum lugar. Ainda que um só dia, sinto os efeitos transformadores do poder da desconexão, para reconectar - o que me lembrou desse texto da
, sobre passar as férias sem instagram. Ou, como intitulou, ela, sobre o que a gente ganha e perde com o Instagram.“A sensação foi de aprender que existe um caminho para atravessar o momento em que acordo até aquele em que fecho novamente os olhos sem passar tanto nervoso, sem me comparar aos outros e sem achar que estou permanentemente atrasada numa corrida insana sem linha de chegada.”
Offline, li sem anotar o avanço no Goodreads. Caminhei, sem calcular a quilometragem no Nike Run. Enfeitei a casa para o Natal, sem postar fotos nos stories, registrando o momento apenas com a minha câmera velha de guerra, para marcar o segundo (terceiro) pinheirinho com o pequeno - e fotografei sem produzir, com a cara lavada de domingo, a bagunça de uma sala habitável por três gentes e dois caninos. Entretanto, só pensei em tudo isso, que fazemos meio no automático, por conta dessa reflexão que a
trouxe no #23, que não deixou a minha mente desde a leitura.“E como se sentir produzindo bem-estar, músculos que não vão atrofiar, vitaminas que nos manterão vivos até depois do apocalipse climático, uma frequência cardíaca previsível e inofensiva, como sentir que estamos lendo coisas que engrandecem nosso espírito, vivendo momentos inesquecíveis com amigos, dormindo as horas de sono necessárias? Registrando tudo, obviamente. Contabilizando. Nunca na vida tivemos tantos dados sobre nossos hábitos. Número de passos, minutos de exercício, quanto tempo em sono profundo, quanto tempo em REM, as músicas em rankings de mais ouvidas do ano, os livros que terminamos devidamente avaliados com estrelas, e todo a vertigem de imagens, lugares, rostos, encontros. Somos a mais completa pesquisa científica de nós mesmos.”
Essa reflexão, e o texto da Taynara Gregório que, para além do registro, fala sobre a monetização de toda a nossa existência:
“‘Vamos viver uma transformação onde vamos ver as pessoas, os indivíduos monetizando a sua existência’
Ouvi essa frase perplexa. Ela foi dita por algum “guru” de marketing digital em um videocast em parceria com uma página que sigo sobre tendências e métricas de redes sociais. Não gosto de ler comentários online, mas abri os comentários desse vídeo porque queria ver as pessoas denunciando o absurdo que era aquela fala. Mas, para minha surpresa, todos e todas concordavam com o que foi dito. O “guru” dizia que, como “todo mundo é influente e gera valor para seu ecossistema ao seu redor”, nossa vida inteira pode ser monetizada.”
Caio de volta na correria daquela segunda-feira, que tanto podia ser hoje, quanto poderia ser qualquer dia, daqui até o final do ano, especialmente. Falta o ar. Como diria a minha terapeuta amada, corremos como hamsters, em nossa rodinha, na gaiola, uns ao lado dos outros. Todos presos. Me pergunto, de novo: Qual o verdadeiro sentido dessa coisa louca que chamamos de vida?
Com carinho e um desconforto para chamar de meu (nosso?),
Puxa, me identifiquei demais com essa rotina louca. Bom saber que não estou sozinha. Mas que péssimo ter mais pessoas presas assim também...
Hoje me admiti viciada em Instagram pela milésima vez e disse que vou parar com a droga. Agora cheguei no seu texto e acho que é um sinal. Sei duas coisas sobre a vida: 1) viemos para ser quem somos em integridade. 2) Não viemos aqui monetizar nossa existência.
<3