Era um domingo quente de novembro, prenúncio de um verão que prometia. No quarto abafado, sentada na escrivaninha, com papéis de estudo espalhados e abandonados, sinto uma gota de suor escorrer em minhas costas, não sei de por calor ou ansiedade. Olho o relógio novamente. De novo, leio a mensagem, mais para conferir o horário de envio. Levanto, caminho, indo e voltando no espaço em frente a cama, tentando organizar os pensamentos, ensaiar um discurso.
Tínhamos pouco mais de quinze, dezesseis anos. Começou por uma iniciativa minha, estimulada por uma memória infantil, diante de um desafio proposto em uma tarde entediante. Nos encontramos em uma festa - ele foi!, e só por ter ido, alimentou o meu ego leonino. Era errado, foi rechaçado, desestimulado, quase proibido – um prato cheio para uma alma rebelde.
Foi ficando – um ano, dois, seis. Era amor, ou parecia. Quem se opunha, levantou a bandeira branca, encarou a batalha perdida, desistiu da luta. Foram todas as minhas primeiras vezes – até de coisas que eu acho que não gostaria de ter experienciado.
Não foi nessa tarde, tampouco nesse fim de semana, mas antes, meses, anos. Foi entre o primeiro e o segundo pedaço de pizza, no tédio dos planos para o próximo feriado na praia, na conversa vazia no telefone, nas palavras agressivas de uma crise de ciúme. Foi no branco do teto encarado depois do sexo morno, mecânico. Foi no trajeto curto entre as nossas casas, no fundo de uma taça de vinho doce e barato, no limite territorial entre Curitiba e Pinhais. Sem nomear, sem se quer admitir, percebi que estava só, mesmo quando acompanhada. E por só, queria dizer vazia.
O interfone tocou e despertou o coração, que caminhou até a garganta, pulsando forte em cada milímetro do meu corpo. Enquanto pego a chave para abrir, troco olhares com o meu pai, que talvez soubesse ou sentisse o que estava acontecendo e enfim respirava aliviado. Ele estaciona a moto em frente a janela do meu quarto e com um sorriso amarelo, tira o capacete devagar. Cada microssegundo parece conter toda a eternidade. Incapaz de fingir, não retribuo o seu beijo, o seu abraço. E antes que qualquer coisa fosse dita e desencorajasse o plano, anuncio o fim.
Sem pudores, ainda diante de uma plateia muda, ele explode – nega, grita, diz que vai embora. Abre a porta com violência, sai marchando pela escada, batendo o capacete, audivelmente, no corrimão de ferro. Avisa, antes, que não acabou – o que só tinha um, permaneceria.
Sob protestos receosos de meu pai, pego o carro e o sigo, até a sua casa, desejosa por trilhar o tão conhecido caminho pela última vez. Também sou tomada pelo medo, que em sua pequenez, porém, é incapaz de superar a ânsia pela resolução.
O que era raiva, transbordou em lágrimas de auto piedade e compreensão. Quase sinto pena e compaixão, o que somente fortalece o desejo e compele o fim. Faz perguntas, tenta entender, enquanto remexe em fragmentos compartilhados nos tantos meses divididos - cartas, fotos, presentes, bilhetes. Respondo, cuidadosa, evitando ferir de forma desmedida.
- Acabou.
- O amor?
- É...
Pega uma caixa, joga as lembranças, sufoca um soluço. Se diz incapaz de se desfazer de tudo, apegado às coisas, como se estas carregassem o tempo e evitassem o inevitável. Pede um último beijo, que retribuo sem vontade. O gosto é salgado e triste.
Prende o cachorro, abre o portão, fecha a porta.
– Não consigo. Não quero te ver sair.
Deixo a caixa na lixeira em frente a casa. Entro no carro, respiro fundo. Engato a ré, saio com cuidado. Logo na esquina, ao primeiro sinal vermelho, ligo o som, abro a janela. A brisa da noite toca o meu rosto, delicada. Não olho para trás nenhuma vez.