Das características mais desejáveis à bailarina clássica: a leveza. Executar os movimentos de forma doce; saltar como num arroubo de voo; tocar o chão com delicadeza inaudível; girar sobre as pontas com sutileza. Tudo isso, com um sorriso sutil. Uma expressão serena. A própria respiração é cuidadosamente treinada, para que o movimento involuntário do corpo seja mínimo.
Tamanha beleza exige prática, porém. Prática, força e muito suor. Quase que em uma disputa com a gravidade da Terra (o que me lembra que não é falta de talento para o clássico que me impede, mas o fato de dançarmos no planeta errado – acordou a engenheira?), a leveza traduzida em cada movimento esconde um esforço significativo – o que, em sua perfeição, ainda assim não é demonstrado. Nem mesmo na mais breve expressão. Um mero plié, em primeira posição, para ser apreciado, esconde todo um trabalho de bastidor: olhos no queixo, cabeça para fora, barriga para dentro, fecha a costela, abaixa o ombro, engaja as omoplatas, peso para o minguinho, cotovelo para cima, braço longo, roda o en dehors desde a coxa, não deixa o joelho cair ou fechar – e agora desce, dançando. 5, 6, 7, 8.
A busca pela leveza, na vida, parece simples, porém. Em tempos da vitrine Instagram, levar os dias de forma leve parece algo trivial, quase automático. Impensado. Sem fórmula. Para uns, é claro. Para a maioria dos demais, que se vê na injusta posição de comparação, parece simples sim. E de tão simples, impossível e inalcançável.
Perseguidora da leveza no linóleo e na vida, aos poucos tenho entendido que lutar contra uma força que não descansa nunca é, no mínimo, injusto. Para cada salto bem executado, há 25-30 estranhos, tortos, barulhentos. Para cada pirueta perfeita, outras tantas fora de eixo, sem foco. Um mero agradecimento exige o engajamento até das sobrancelhas, para evitar uma bambeada.
Na vida, tão similar. Olhar o copo meio cheio, enquanto o mundo valoriza a desgraça, passa pelo exercício de observar todas as possibilidades e consequências. Rir de um deslize, a despeito do ego, que insiste em martirizar, demanda a coragem de entender que somos falhos, vulneráveis. Aprender a descansar, em uma sociedade de alta produtividade, exige entender que somos cíclicos e, como tal, precisamos de pausas, respiros. Valorizar o presente, enquanto só se pensa nos erros cometidos ou nos próximos passos a serem dados, é um exercício de gratidão constante.
Não é simples, tampouco trivial. Exige ensaio, treino constante e atento. Mas eu prefiro acreditar que, uma dada hora, a voz da professora relembrando cada preceito do movimento entra em nossa mente e alma. E quando menos percebemos, está automático, saindo com naturalidade. Estamos dançando.