Para além de estar perto
Era noite e o lugar, totalmente estranho. Parecia um sítio, uma chácara, mas ao invés de casa, um galpão grande com uma luz branca muito forte – daquelas que me incomodam e sai exterminando da Tasca. Estaríamos acampando? Ao mesmo tempo, acho que não havia barraca, mas um colchão – no tal galpão? Parecia um quarto e era, de fato, mais escuro. Mas o colchão era inflável. Eu acho.
Mesmo no mato, dos meus lugares de paz na Terra, eu estava incomodada e não era só pelos vestígios de luz branca que chegavam até mim. Ansiosa, espiava a porteira a cada dois segundos. O peito doía – dor física, daquelas que quase impedem a fala. Daquelas que transbordam nas mãos trêmulas em suor frio. Daquelas tão difíceis de descrever e que não é causada por doença – ou seria uma, terrível, sem remédio, vacina ou tratamento.
O avisto vindo e o coração, a galope, periga sair do peito. Respiro fundo para faltar pausadamente, com cuidado. Ele está ali, mas não está. E a sua ausência induz a ânsia, o calafrio, a salivação – e antes que seja capaz de me conter, vomito palavras em uma torrente nervosa.
Falamos de uma terceira pessoa – uma amiga? Relembro uma traição que ainda não cicatrizou – “uma só vez, para”. Indago a sua presença. Mas, o seu olhar está vazio, distante e vago. Nem se parece mais com ele. E embora os fatos esfolem a alma, é essa falta que dilacera a carne e que me faz sangrar até a última gota.
Estamos deitados, no tal colchão inflável, no tal quarto escuro (ou seria galpão?). Meu corpo inteiro pulsa, em soluços de um pranto solto. Com a garganta em um nó, tenho um fragmento de lucidez. Mereço mais, quero mais. Tiro a aliança, falo em divórcio. Ele não se opõe – “tá, amanhã a gente vê isso”. Percebo que não era lucidez, mas blefe. Fui para o all-in. Perdi. O peito arde, em chamas. Não consigo acreditar.
Doída, acordo sobressaltada. A delicada luz da madrugada se infiltra pela frestinha da cortina, que ficou parcialmente aberta, acompanhada da brisa fresca do fim do verão. Estou no meu quarto. No nosso quarto.
Ao meu lado, ele dorme tranquilo e, mesmo com os olhos fechados, sinto todo o calor de sua presença, ali. Foi um sonho ruim. Um pesadelo.
Inverto o travesseiro, por superstição ou hábito, e me aproximo de seu corpo quente: pés, pernas, mãos. Me aninho, devagar, nos seus braços. Ele dá um sorriso curto, de satisfação. Sussurra baixinho – “te amo”. E toda a honestidade dessa sequência de ações esvai qualquer dor que tenha tentado atravessar a barreira do sono.
Sorrindo, adormeço novamente.