Sobre comida e outras desculpas
Mas afinal, porque eu queria escrever sobre comida?
Saí com a pergunta meio engasgada, mal digerida, depois da primeira aula da Flávia Schiochet.
Fiz uma regressão rápida e me deparei com a minha complexa relação com o alimento, com o alimentar-se, alimentada (com o perdão do trocadilho) pela ascensão dos corpos perfeitos, barrigas negativas, dietas da moda, da adolescência do final dos anos 90.
Mas, lembrei também de, desde sempre, gostar de bem comer. Não só em sabores – presunto, por exemplo, figurava entre os itens, por mim, mais apreciados, por ser de minha cor preferida, a época, sendo carinhosamente chamado de ‘carninha cor de rosa’. Tal qual saborear, com olhos e paladar, a paixão por preparar a comida. Quase em uma brincadeira, entregava-me às receitas doces de um livro português todo lúdico – e, nas tardes frias, lá saiam suspiros, bolos, brigadeiros. Mais tarde, o salto para o salgado – meu pai, entre aliviado de minha predileção e orgulhoso de mais esse dividir, me conduzia a preparar o jantar, nas noites em que a minha mãe tinha aulas de francês.
Volto para a Tasca. Das festas para 35 pessoas, aos jantares temáticos, só para nós dois. Dou conta que, talvez, a comida, me seja uma forma de encontro. De viajar e experimentar culturas diferentes. De reviver momentos – ou até de cria-los, alimentar suas camadas em minha imaginação – tamanha a sede de vida. E não só avidez por lugares e experiências, por assim dizer, corpóreas (!). Mas, mergulhar, até, na história, nas estórias.
Reproduzir, no dia dos namorados, um cardápio da Srta. Virgínia em Papel Manteiga também é degustar as entrelinhas de um livro que aprecio, vislumbrar a tal cozinha, em cima do morro, com não mais que quatro mesas. Tomar um absinto no Café Louvre, em Praga, mesmo encarada pelo incrédulo garçom, é viajar até os tempos de Kafka, que usava a fada azul em noites sem inspiração. As tantas festas, de cardápios típicos, os trajes especiais, a decoração característica, também são migrar – no sentido real (?) de experimentar outras nacionalidades como minhas, autorizada, porém, a levar junto aquilo que me é mais caro (e que, possivelmente, jamais me fizesse mudar de país): meus amigos, minha família.
E talvez a comida, a bebida, sejam só o artifício. A desculpa. Talvez, ao soprar, fique pouco dela, deles. Ou, seja a oportunidade perfeita: em caso de bad trip, bons pratos, bons drinks e, com sorte (e sem pandemonha), boa companhia, afogariam mágoas infortunas da melhor maneira.
Sobre gênero, então, me vi ainda mais perdida, incapaz de identificar os sabores no retrogosto. Agrada-me a ideia de flertar com o literário, misturando memórias, minhas e inventadas, com um ou outro acontecimento recente. Quase que, mas incapaz de chamar, crônicas.
Acho que, afinal, eu escrevo mesmo é cartas.
(Tasca Aberta #2 no forno – tá sentindo o cheirinho? Para se inscrever, basta clicar aqui).