Curitiba, 11 de abril de 2024.
(escrito, porém, há mais de um mês - em 03.03.24)
Pedro cochila. São 15h e tal da tarde. Estou desolada e não sei nem dizer do que eu preciso mais, diante de um dia de humor tão abalado.
Para ser honesta, tudo começou ontem. Levamos mais de 1h30 para fazê-lo dormir - um daqueles dias que sonhamos com a tranquilidade, haja vista o jantar que havíamos programado para ter, a dois, após o seu sono.
Persistimos. Cozinhamos. Jantamos tarde - ostras frescas, polvo grelhado com pimentões e alho, purê de abóbora cabotiá, um chardonnay amanteigado. Ficamos assistindo um dos muitos filmes da interminável lista do Oscar. Dormimos após a meia-noite. Ainda assim, ao terceiro toque do despertador, me levantei, almejando uma manhã tranquila, casa e cidade em silêncio. Planos frustrados no primeiro minuto: um insistente pedido por “mamãe” tornou-me sua companheira da última soneca.
Luciano, que teve uma manhã mais calma, entra no quarto passado das 09h, quando o percebe acordado. Olha a minha cara azeda e murmura “aproveita!”. Aquilo dói em minhas entranhas, todas reviradas. Quero gritar. Sinto o impulso de socar alguma coisa. Contenho a minha ira, quando uma lágrima quente escorre pela lateral do rosto. Parte de mim, eu juro, grande parte de mim deseja o aconchego, o carinho, o cheiro do cangote do meu menino adormecido, que acaricia o meu cabelo no escuro do blecaute. Eu, todinha, porém, sinto falta de minha própria companhia, dos silêncios, de minhas fugas.
O dia transcorre com um Pedro que mais briga e chora do que eu sou capaz de me lembrar. Ao menor sinal de contrariedade, ou na incompreensão de seu “bebesês”, explode em indignação ele e, após a décima vez da manhã, também eu, tendo a última gota de minha escassa paciência se consumido antes mesmo que eu termine a primeira xícara de café, já frio.
Em meio a esse caos, como, sem saborear, a crepioca de queijo. Leio, sem entender, as conversas do clube do livro. Ajeito, sem critério, qualquer coisa na cozinha. Brinco, sem vontade, com o menino, no chão do pub. Rolo o feed, incontrolavelmente, desejando, talvez, a vida alheia - que, de praxe, aparenta muito mais “interessância” do que a minha exaustão, no pijama gasto, sujo de mingau, ao quase meio-dia.
Pouco antes de sentar para escrever, sou acolhida num abraço: “desabafa, vai. Eu sei. Também estou sentindo”. Percebo que me faltam palavras para explicar a aspereza.
“Quanto tempo será que ainda dura essa fase?”.
Terrible two, eles dizem. E abril ainda tarda(va).
Viajo, de repente, para a live enviada pela minha terapeuta e, a qual, ainda ressoa. Falavam de maternidade, sim, duas mães que eram (são). Mas, era o papo de uma escritora e uma psicanalista, discutindo uma das (incríveis!) obras da primeira - “Um prefácio para Olívia Guerra”. Ana Suy, a psicanalista da ocasião, comentava de um post há pouco feito e muito repercutido - também por aqui:
“Para ser uma boa mãe, é preciso gostar da vida”.
(Ana Suy, em seu Papo de domingo).
No entanto, o eco agora está numa fala da Liana (Ferraz), a escritora que, não pela primeira vez, vem me tocando fundo:
“E eu também escrevi um livro, pois a minha filha já é adolescente. Se ela tivesse três anos, certamente eu não teria escrito.”
(Liana Ferraz, na live da Amora Livros - transcrição minha, by heart).
Olho para o Pedro pela câmera do celular. Enxergo, com a maior culpa que já pude carregar, o desejo autêntico - e controverso - de que o tempo passe depressa para que possamos nos encontrar em outra etapa, que a minha inocência insiste em achar ser mais fácil (lembro, com graça, da analogia de uma amiga:
“Educar é igual vídeo-game. Você enfrenta o chefão e o que vem depois? Um desafio mais complexo”).
E aí, lembro de ontem a noite, pouco antes da batalha para adormecer.
Estávamos brincando na cozinha, sentados no chão, quando Pedro terminava o jantar. A cada pedaço de “abobou” (abobrinha, em Pedrinhês), ele vinha com alguma típica brutalidade - honorária à ausência de percepção da própria força - destinada a mim: um beliscão, as sobras de um tapa, alguma mordida em meio a empolgação, puxões de cabelo e o que mais a ocasião permitisse. Meio chorosa, com a bochecha machucada por unhas mais afiadas que gilete e que crescem numa velocidade surpreendente, sou protegida pelo Luciano: “chega, filho. Tadinha da mamãe. Nela, é só carinho”. Foi preciso dizer apenas uma vez (dessa vez, que fique claro. A ladainha é frequente e, muitas vezes, ignorada - mais alguma mãe de menino presente?). De saco de pancadas, sou transformada em objeto de desejo, alvo dos olhares charmosos do baixinho que, entre murmúrios doces e jocosos, puxa o meu pescoço para abraços e beijos.
Só agora, ouço uma voz temerosa falar, pertinho do meu coração:
“isso também vai passar. Também tem prazo de validade escasso”.
Sinto, mais uma vez, vontade de chorar - que contenho. A soneca não há de durar a tarde toda. Olho no relógio da câmera: lá se vão uma hora.
Enquanto rabisco essas palavras, “terapeutizada” que já sou de tempo, tento entender o meu comportamento de mais cedo - mais rápida a cabeça do que a mão e a caneta. Dizia, para o Luciano:
“Tem quase dois anos que eu não consigo estabelecer consistência em meus projetos de escrita e isso é frustrante”.
Quanto do desejo pelo crescimento do Pedro não é a projeção de um futuro mais tranquilo, com mais espaços de trabalho e ócio criativo? Mas, principalmente: quanto da minha dor não é feita desse sistema ingrato, produtivista, que me faz enxergar, antes de qualquer coisa, a minha incapacidade? Penso que parte de mim olha o Pedro e vê, de forma palpável, o tempo passando diante da minha inadequação. Volto, porém, para a minha terapia de sexta: não deveria, eu, orgulhar-me do meu feito, esse carinha do bem que estou empenhada em educar na consciência de um mundo mais justo e igualitário? E, por que tão longe? Como diria (outra) amiga:
“esse nariz. Eu que fiz. Na minha barriga. Eu nem sabia, eu nem sei fazer um nariz. Mas, eu fiz. Um nariz”.
Ao final do encontro, a derradeira pergunta da Tati - os oráculos certeiros daquela bruxona, que encerram a nossa conversa e lançam o fio para a semana (semana? Tá bom.):
“você tem paciência consigo mesmo?”.
De repente, me dou conta: talvez os terrible two não sejam sobre ele, afinal.
Eita fase puxada… e a gente quer que passe logo e tem momentos que quer que congele! Mas, olha, passa mesmo… os meus agora estão maiores, o que me dá um alívio, mas é só ver as fotos deles pequenos que bate a saudade e vontade de apertar as bochechas de novo. Aproveite o tanto que puder com ele, mas se dê pausas e momentos seus o tanto que puder também… e saiba que você dá conta!
Já passei por isso. Sinta-se abraçada 🤗