Curitiba, 23 de junho de 2023.
“Não quero ser feliz. Quero ter uma vida interessante".”
(Contardo Calligaris)
E essas duas frases estão martelando na minha cabeça há cerca de um mês, depois de introduzidas pela Tati na ocasião de nosso encontro, que foi remarcado com precisão - a da necessidade e, especialmente, a da assertividade.
Havia acabado de chegar de férias e me sentia perdida. Estava me queixando da vida, ao que ela comentou ser um sintoma típico da melancolia pós viagem que eu, desacostumada que estava, já não me lembrava ter vivenciado. Presa no recorte temporal prazeroso, do afeto, da presença, do deleite de férias bem aproveitadas, olhei a dura e, especialmente, corrida realidade que se manifestou na própria segunda-feira de retorno e, logo, com razão, quis voltar. Não exatamente para a viagem, para aquele período de folga. Mas, para o sentimento de calmaria e acalento que tipicamente nos encontra quando estamos fazendo algo que nos agrada.
Tati me olhava, o típico olhar que, mais de cinco anos de terapia depois, já conheço, ainda que separadas pelas telas de celular - um misto de empatia, conforto, acalento e “vem cá, preciso te contar uma coisa”.
Contou. E fez tanto sentido, ou tanto sentir, que até agora sigo acompanhada dessas duas frases e seu questionamento: como seres faltantes que somos, quais faltas abraçaremos? Onde admitiremos faltar?
fiquei pensando no que é uma vida interessante, dentro do meu contexto de realidade. Mais, e principalmente: quais são as faltas que abraço, para acolher os meus desejos.
Viajamos também sobre isso: a ideia fantasiosa de “querer é poder”; “realize os seus sonhos”; “dreams come true”, embutidos no ideal de felicidade moderno.
“Como seres faltantes que somos, no instante que conquistarmos um feito, estaremos desejosos por outro.”
(Fala da Tati, grifo meu.)
E aí, colocou num linguajar que compreendi melhor do que nunca.
“É como a nossa lista interminável de leituras. Independente do esforço que fizermos em vida, jamais seresmos capazes de ler todos os livros que desejamos. […]
Esse ano, por exemplo, considero que estou num ritmo bom. Tenho lido, em média, cinco livros por mês. Porém, a cada um que risco da lista, acrescento, com sorte, outros dois ou três).”
(Tati, por mim)
Uma realidade desnuda. Um balde de água gelada nesta filha da Disney, xuxete de Lua de Cristal. Mas, tal qual aqueles chuveiros de praia, o que no início foi brusco, incômodo, rependitamente passou a quase confortável. Certamente, suportável. Ousaria dizer até que levemente agradável.
Ter uma vida interessante.
Há toda uma pressão invisível na busca eterna pela felicidade, na realização de nossos sonhos e anseios, que é quase contraditória e flerta com minhas obsessões e compulssões (só minhas?). Há que se viver o hoje, mas se deve trabalhar dobrado para se atingir os objetivos. É preciso ter paz e calma, mas ser agressivo e produtivo. Há que se cuidar do corpo e mente para longevidade, mas se permitir todos os pequenos prazeres que se manifestarem: mais um cigarro; outra taça (garrafa) fde vinho; sim, sobremesa.
A equação não fecha.
“Um pouco de droga. Um pouco de salada”
diriam alguns. Contardo provoca:
“Vivemos numa civilização muito pouco hedonista. […] nos queixamos de excessos e nos permitimos prazeres medíocres ou muito discretos. Ligamos felicidade à satisfação de desejos, o que é totalmente antinômico com o próprio funcionamento da nossa cultura, fundada na insatisfação.”
E continua.
“Ter uma vida interessante significa viver plenamente. Isso pressupõe poder se desesperar quando se fica sem alguma coisa que é muito importante para você. É preciso sentir plenamente as dores. […] Eu acho um tremendo desastre esse ideal de felicidade que tenta nos poupar de tudo que é ruim.”
(Contardo Calligaris para Revista Cláudia)
Hoje: o que é uma vida interessante para mim?
Alguns links para puxar o fio da tua meada (já é inverno, afinal):
A matéria completa do psicanalista Contardo Calligaris para a Revista Cláudia;
e o livro do autor, sobre o tema, que já foi para a minha infinita lista.
Se o tema é livro, e vida interessante, é impossível não citar esse aqui, que estou terminando e devorando, com muito gosto.
Sobre as faltas e nossa dificuldade em aceitar nossas ausentes onipotência e onipresença;
e, de certa forma, como elas se manifestam em nosso mundo moderno, na reflexão da
, mas também nos comentários da última edição de .Para fechar: o tiro da Dani Arrais;
Que te faça tricotar daí.
Com carinho, caraminholas na cabeça e uma vontade danada de tricotar junto,
Uma vida interessante tb se faz de textos interessantes. Esse me prendeu do inicio ao fim e fez minha manhã mais leve. Belas reflexões
O assunto é bom, mas a forma que você escreveu fez ser ainda mais interessante!