Curitiba, 04 de junho de 2024.
(Escrito em 04 de março - ainda sem data de validade expirada)
(Parte 1: aqui. - escrita em 03 de março, um dia antes do texto partilhado hoje. Foi um fim de semana intenso.)
Maternar muda o mundo - e depois de um dia difícil e uma noite cheia de culpa, estou tentando acolher essa ideia que, agora me ocorre, possivelmente é menos sobre o Pedro e muito mais sobre eu mesma. Como abraço os meus processos, aceito as minhas falhas e erros, acalento a minha dor e incompreensão. Sinto que, às vezes, ofereço ao meu menino tudo o que eu tenho - e por tudo, falo também, e principalmente, do chicotinho (figurado, pelo amor da deusa! - não custa esclarecer.) que insisto em deixar cantar em meu lombo, a cada mínima possibilidade de desvio do plano ideal (ideal?).
Era noite. Mais uma vez, eu ninava o Pedro sem qualquer sucesso. Os minutos corriam e, embora ele já se permitisse aconchegar, os olhos permaneciam abertos e a atenção, plena ao menor movimento da rua. Exausta, me sento na ponta do banco da mesa do terraço. Sigo o balançando, batendo em sua bundinha. O desespero começa a crescer em meu peito.
Luciano sobe e pergunta se eu preciso de ajuda. A minha cara de poucos amigos entrega: dentes cerrados, respirações fundas, dificuldade de sustentar um olhar. Ele pega o Pedro que, surpreendentemente, muda de colo sem questionar e encosta a cabeça no ombro do pai. Já a minha cabeça, uma autêntica panela de pressão, cai entre os braços, encontra as mãos frias e suadas e transborda. Sou apenas um lamento.
O marido me puxa, em direção a eles. No lado oposto onde repousa o neném, me aconchega. Molho o seu pijama com lágrimas, num esforço para manter a minha súplica silenciosa. Sou encontrada, porém, justamente pelo olhar que evito.
Olhinhos vidrados agora mergulham profundamente nos meus, como se buscassem enxergar por além do meu cansaço e frustração. Somos os três embalados pela canção de ninar, cantarolada pelo Lu desde os primeiros dias do nosso garoto. Sob um céu mais estrelado do que de costume, sussurro ao meu menino: “te amo”. Que, a sua maneira, murmura em resposta: “t’amo”. Arrebento.
Não há dor mais profunda do que a culpa que me acomete nesses dias de pouca paciência. No desejo e ansiedade para que o tempo - o dia; a vida! - passe logo, por vezes, deixo de nutrir a minha alma, com o seu alimento preferido: as bonitezas, em sua simplicidade. E, faminta, vou perdendo, um a um, os sentidos. Torno-me um só corpo - carcaça, esvaziada - a não ser pela burrice e urgência (mas, talvez, lá esteja eu sendo cruel de mais, novamente).
Solto do abraço e enxugo o rosto. Estendo os braços para o Pedro que, tal qual o Luciano, hesita: “tem certeza? Tá tudo bem aqui”. Insisto. Ele vem. Fala algo sobre a rua, enquanto se acomoda. Volto, eu, a vociferar a mesma música. Luciano desce, a meu pedido, para adiantar as marmitas da semana.
Meu bebê-menino adormece algum bom tempo depois e só consigo deixá-lo em seu quarto da segunda vez, tendo tido que deitar em sua cama, por alguns minutos, até que o sono se tornasse profundo o bastante. Beijo e, honrando os meus (as minhas), benzo a sua fronte só da primeira vez - evitando uma nova acordada ao menor contato físico. Deixo o quarto com a minha dor, que outra vez, irrompe em lágrimas.
Gostaria de dizer que me acalmei, depois, ao acolher os sentimentos dúbios que me tomaram. Ou, ainda, seria lindo comentar que tamanha culpa e angústia são desnecessárias e, entendido isso, prometo que tal ciclo não há de se repetir. Uma grande besteira. Voltarei aqui mais vezes, amanhã, semana que vem ou, sorte a minha, daqui há uns bons dias. Serei consumida pelas mesmas dores, em maior ou menor proporção, e questionarei os mesmos aspectos, ou outros tantos, novos, que ão de se descortinar em nossa caminhada a dois (a três - privilégio!).
Mas, maternar muda o mundo. Entendo, então, que nesse momento, talvez, aceitar a minha condição seja a única forma disponível de me abraçar. Como diria Winnicott, talvez eu enfim esteja me permitindo ser uma mãe suficientemente boa - a mim mesma.
Eu lembro de mim mesma nessa fase lendo seu relato belíssimo. Foi grande o sacrifício, mas quando vejo minha filha, hoje com 10 anos, feliz, emocionalmente saudável, esperta, gentil e amorosa, eu penso que tudo valeu a pena. Não fui perfeita e ainda bem que não!!! Mas deu tudo certo.
Que lindo e profundo Mary! ❤️