Guia de Jeri
ou: como viajar com um bebê e um cachorro (de pelúcia), parte 1 [Tasca Aberta #16 - 16 é da sorte!]
Curitiba (mas quase « o Rio de Janeiro continua liiiindo »), 14 de outubro de 2022.
O neném mama. A mil, minha cabeça planeja as malas de nossa terceira viagem a turismo, quinta se considerarmos as visitas à(s) família(s). Pijamas a mais, porque faltou. Bodies a menos, porque exagerei. Com o maior peso e volume, já estamos conformados. E há quem diga que piora: brinquedos, comidas, utensílios, vão se somando as muitas fraldas e mudas de roupa. Por ora - e pela última vez - a minha ida bastará no quesito alimentação do bebê. Apesar de tamanha função, na terceira, que é quinta, já estou, estamos, mais escolados. E ainda que não nos baste a mala de mão (chegaremos lá. Né?!), também não passamos do limite de 23 kg.
Quem gosta de viajar e que nunca ouviu “quando tiver filhos + insira aqui a sua limitação/praga do Egito*” (*a.ka.: "muda tudo"; ou "sair de casa é um desafio"; ou ainda "é só perrengue"; mais "ihhh, esquece!"; entre outras TANTAS), que atire o primeiro pitaco (é tiro mesmo). Pois foi com esse fantasma que compramos a primeira passagem, planejamos a primeira viagem - que já era a segunda (Foz já estava comprada, mas seria depois) - para visitar Jericoacoara em agosto, quando o bebê teria de três para quatro meses. Passaríamos (passamos) seis noites na vila, de sábado à sexta seguinte, em comemoração ao meu aniversário. E, para além dos dias de ida e de volta, basicamente dedicados ao trânsito, nos restariam (restaram) cinco dias completos, para aproveitar a região.
Embora uma parte de mim estivesse tranquila, ciente de que cada ser é um ser e de que o DNA do Pedro deveria ter vindo com o gene de saracoteio dominante, rodinha nos pés recessivo, ao montar a programação, prezei pelo seguro (da minha saúde mental, especialmente, que iria sofrer com as expectativas frustradas). E, assim, decidimos os três pilares da trip, baseados no compilado de dicas que li ao longo dos anos pré-baby: (i) ficaríamos em BNB ou hotel com um espacinho a mais do que só o quarto (ante-sala, varandinha, p.ex.), para curtirmos um pouco das noites, enquanto Pedro dormiria mais cedo (só o Pedro, aham!); (ii) por óbvio, os passeios seriam pensados na segurança e conforto do pequeno - desembolsaríamos um pouco mais para fazer tour privativo em carro fechado (meio cedo pra bugue, acho. Só acho.); e (iii) intercalaríamos dias de mais programação, com dias mais tranquilos, sem muito horário, por dúvida das vias.
Assim fomos, nós três e Bolt (um doguinho de pelúcia que foi presente do Lu, ainda namorado, para mim, num raro amigo secreto dos Portella; que nos idos dois mil e bolinha, atuou bravamente como cão de guarda, do meu antigo kazinho, que vivia tendo o rádio roubado; mas, que, enfim, tá tendo refresco, vivendo a sua melhor vida, como diria a Linoka, de partner do Pedro). Saímos de Curitiba num sábado de manhã (achamos melhor evitar a velha correria de aproveitar todos os segundos disponíveis de férias, viajando na sexta, logo após - logo, mesmo! - o trabalho), depois de uma noite mal dormida (por nós, bebê descansou que foi uma beleza!), pois obviamente resolvemos fechar as malas na véspera (essa parte, desconfio que nunca aprenderemos). Munidos de duas bagagens (que fique claro, uma compartilhada, minha e do Pedro; e outra todinha do Luciano), duas mochilas, bebê conforto, canguru e um berço portátil (na lista das melhores aquisições da vida, super recomendo aos pais viageiros), seguimos para o aeroporto, no qual chegamos com cerca de duas horas de antecedência, já conhecida a nossa tendência aos atrasos, somada com a obsessão, para não dizer desespero, do Lu, no que envolve deslocamentos aéreos (vale todo um texto específico sobre quando e como ele provou que era mesmo virginiano). Nossas passagens eram Gol, para Jijoca de Jericoacoara (também é possível ir por Fortaleza, mas a distância da vila é maior - cerca de 5 horas de 4x4), via São Paulo e, embora não fosse a primeira trip, foi o primeiro voo do(s) mocinho(s) (a saber: a maioria das empresas não cobra para bebês de até dois anos viajarem no colo. Caso opte por comprar passagens antes do nascimento, como foi o nosso caso, basta ligar depois para a companhia aérea e pedir a inclusão do filhote, na mesma reserva). Aqui, vale uma ressalva: como o destino envolveria apenas ruas de areia, optamos por não levar o carrinho, que ficaria parado no BNB. Embora não tenhamos nos arrependido, ressalto que foi um desafio sem tamanho andar pelos aeroportos com o garotinho, que já não é leve, no colo, mais mochilas e bebê conforto, que despachamos e pegamos na porta da aeronave - o que vale mais duas observações: passageiros com bebês de até dois anos tem gratuidade para o despacho de carrinho ou cadeirinha ou bebê conforto - o que pode ser feito no balcão ou na hora do embarque, conforme maior comodidade da família; no nosso caso, optamos pela segunda opção, achando que o Pedro curtiria cochilar aconchegado, o que não rolou - valeria muito mais ter despachado logo de cara e ficar apenas com o canguru. Lições aprendidas.
Nos vôos e conexão, especialmente da ida, tudo fluiu super bem. Ainda no peito, usamos a estratégia recomendada por nossa pediatra, Dra. Luiza Suêvo, para aliviar eventuais desconfortos no ouvidinho do bebê e colocamos o Pedro para mamar nas decolagens e aterrissagens - o que, na perna Curitiba - São Paulo significou, praticamente, uma só mamada (na volta, alguns atrasos para a saída renderam choradas e desespero a mais - tal qual despertaram a criatividade do pai, em inventar brincadeiras para um bebê, confinado em uma cabine, se entreter, enquanto não dormia, as 23h).
Chegamos em Jijoca no final da tarde e o nosso motorista já nos aguardava, para nos levar até a vila, que fica a 40 min do aeroporto, em trilha pela praia - fica aqui o reforço para evitar a tentação de alugar carro, pois andar pelo areião é para quem sabe - tem barato que pode sair bem caro. Como faríamos alguns passeios de 4x4 para os lados leste e oeste de Jeri, ainda de Curitiba, entramos em contato com uma empresa - a Vip Jeri - e negociamos todos os transfers, incluindo a ida e a volta do aeroporto, o que valeu muito a pena. Porém, o que não faltam, ao desembarcar, são opções de motoristas e empresas para contratar, na hora, o traslado.
Pelo Booking.com, reservamos um apartamentinho bem ok! na entrada da vila, pouco após a cancela, onde são verificadas as documentações dos viajantes - a propósito, Jeri cobra taxa de turismo, por se tratar de reserva ambiental (no valor de R$ 30,00 por visitante, para uma estadia de até sete dias; crianças de até 12 anos de idade, mediante a apresentação de certidão de nascimento ou documento oficial com foto, não pagam). Ela pode ser acertada previamente, pelo site da prefeitura, o que facilita bastante - no aeroporto de Jijoca, via guichê, as filas estavam grandes (não é necessário imprimir o documento, mas é importante manter o arquivo em pdf salvo no celular, pois ele será solicitado a cada entrada na vila). Como não havíamos almoçado, resolvemos seguir diretamente para o centrinho, em busca de um almojanta, logo que trocamos as vestes por algo mais leve (saímos do inverno curitibano, com pouco mais de 5 oC, para os maravilhosos 30 oC do Ceará). Após uma voltinha de reconhecimento da área, sentamos no terraço do Bistrô Caiçara, para (mal sabíamos ainda) iniciar (bem demais) a nossa overdose de polvo. O estrelado e super simpático chef e dono da casa, Apolinário Souza, é da região e voltou, após longa estadia em São Paulo, para celebrar os sabores e saberes da (sua) terra. Pedro só não gostou que, a ele, restou apenas o bom e velho leite, com sorte, saborizado.
Cansados, a despeito de tudo o que nos disseram, começamos o dia tarde - e a N. Sra. da Roupinha com Proteção UV nos protegeu, amém (bebês de até 6 meses não podem usar protetor solar tradicional. Assim, optamos por comprar looks com FPS 50 para o Pedro ficar protegidinho - embora tenhamos evitado a exposição direta. Encontramos as roupinhas na decathlon e puket, além de termos levado dois bodies da MiniBoo, que foram presentes da tia Lu Bastos. E óculos de sol espelhado, porque não sou obrigada a nada). Com o dia livre, resolvemos explorar mais a vilinha, tal qual curtir a praia de Jeri em si. Particularmente, apesar de ter me divertido, estender a canga ali não foi das minhas experiências preferidas. O local é disputado pela mesma galera que procura a vila pela noite, então a techneira (ainda chama assim?) corre solta (sem preconceito pelo som e pela galera. Só acho meio desnecessário dividir as suas preferências musicais com geral). Também, o mar é bastante recuado e estava ocorrendo uma infestação de algas - que não apresentavam toxicidade potencial, mas que eram meio disgusting, na minha (fresca!) opinião. Mas rendeu o primeiro pingo de café, no leite da pele, tal qual o primeiro banho de mar do garotinho, que adorou brincar disso. Também valeu pelo pôr-do-sol: embora o famoso seja aquele visto das dunas, o êxodo de turistas para lá no final da tarde não nos motivou muito, confesso (pós pandemia - já se pode falar pós? - ficamos ainda mais preguiçosos de muvuca. É, estamos envelhecendo. Eu sei.). Dali, desfrutamos de um espetáculo e tanto, com um sol gigante encontrando o mar, no horizonte. Fechamos o dia com jantar no Alecrim - mais polvo e um ceviche de salmão, preparado com shoyu, gengibre e coentro que precisamos reproduzir na Tasca; e sorvete de pistache na Da Vinci (que, já adianto, a variar dos sabores - o segundo, pistache sempre - rolou todos os dias. Preciso dizer que recomendo fortemente?!).
Já para a segundona, havíamos programado o passeio para o litoral leste que, em geral, envolve a Árvore da Preguiça, o Preá, o Buraco Azul, a Lagoa Azul e a Lagoa do Paraíso. Como todos os passeios, nossa saída seria as 09h da manhã, em veículo privativo. Estávamos um tanto quanto tensos por uma eventual correria, pensando que estaríamos com o neném; e especialmente pelo fato do Pedro, até então, ainda achar que o bebê conforto espetava um pouquinho. Como sempre, a estrada nos surpreendeu: Pedrinho adorou o balanço para dormir; e tiramos a sorte grande com um guia (Jhonata, da Jeri Sol Tur - recomendamos de coração!) que, para além de respeitar o nosso ritmo, fez sugestões que foram perfeitas para nós. Fim das contas, focamos apenas na Lagoa do Paraíso - que, diferente da geral, que opta pelo Alchymist, beach club mais badalado, ficamos com o sossego do Água Viva; e fechamos o dia, de inimigos do fim, na Lagoa Azul. E se o neném tinha curtido o mar, a lagoa foi ainda mais amor. O dia, de sol intenso, água fresca e comida boa, se despediu, do carro, voltando para a vila, com mais um entardecer especial. Animados, até arriscamos um jantar tardio (as 20h - não somos, assim, TÃO inconsequentes). Leia-se: pizza, deliciosa (Resto Da Vinci - ambiente zero praia, com ares de Itália, tal qual a redonda - massa fina, muito molho de tomate, queijo, de qualidade, em quantidade ideal, recheios dos clássicos ao inusitado. A de carne de sol é um espetáculo), mas comida às pressas, meio de pé, com pais se intercalando - matando - entre balanços, numa tentativa infrutífera de ninar um neném exaurido pelo dia intenso de lagoas e passeio.
Percebendo que o Pedro acompanhava o rolê mais que o esperado, trocamos a terça livre, meu aniversário de 36, pela dica (e cia) de nosso guia de segunda, o Jhonata. Reservamos (é necessária a reserva) e passamos o dia na Casa B&B, às margens da Lagoa do Paraíso. E se a segunda foi gostosa, a terça foi pra recarregar as energias. O local, restaurante e pousada, tem uma pegada mais relax e comidas diferentes - fiquei tentada pelo menu degustação, saboreado em etapas e as cegas. Mas, nos encantamos com as opções do cardápio e acabamos pedindo várias comidinhas - destaque para o tartare de atum, servido com torradinhas de tapioca; e para a caipira de biribiri - uma frutinha cítrica oriental, que eu descreveria como o cruzamento do limão galego com a carambola.
Na quarta, já previamente agendado, fizemos o passeio do litoral oeste, passando (de verdade verdadeira) pelas dunas, pelo Mangue Seco, pela reserva dos Cavalos Marinhos, pelo Rio Guriú e fechando na Lagoa Grande. Apesar do lado leste ter ganhado o meu coração, discordo das dicas que li sobre a similaridade dos passeios. Se o orçamento, tal qual o tempo, permitirem, vale demais fazer ambos. Fechamos o dia, cedo, dessa vez, com mais polvo no Pescador, um restô delícia, na muvuca do centrinho, todo temático - e, no qual, fomos atendidos e tratados com muito carinho, pela equipe e donos.
Os dias gostosos foram chegando ao fim e, como nos é peculiar, fechamos com chave de ouro. Ao nosso estilo de viagem, tiramos a quinta para explorar a vila a pé e, acompanhados de nosso coalinha no canguru, fizemos a trilha da Pedra Furada, seguimos até o Farol, curtimos a tarde nas sombras do coqueiro da Praia da Malhada (menos frequentada por turistas, por ter menos estrutura; mas muito mais linda e gostosa do que a principal, na minha humilde opinião), visitamos a igrejinha e jantamos Na Casa Dela, um cantinho com cara de casa de vó, que para além da comida, preparada com tempo, tem memorabilia espalhada pelas mesas, cadeiras, paredes, teto (sim, teto). De longe, ainda que num páreo duro, o preferido da viagem. (A saber: neném super fez sonequinhas no canguru, durante a trilha; na canga, estendido na sombra; além de mamar nos pontos mais inusitados do caminho).
A sexta foi dedicada ao retorno. Fechamos as malas, tomamos um café gostoso no JeriJú (dos raros lugares que encontramos com esse fim), seguimos para o aeroporto e embarcamos, rumo a casa, mais uma vez, via São Paulo. Sendo o voo mais tarde e a conexão, mais longa, aproveitamos de nossos benefícios de ratos de milhas e aguardamos na sala vip da Gol/Smiles, onde aproveitamos para já dar um banho no Pedro, tentando manter minimamente a rotina - aquelas manias de pais novatos. Chegamos pra lá da meia noite de, já sábado, com um bebê apagado.
A parceria do Pedro nos surpreendeu - o que não deveria. Embora goste de acreditar que ele é um bebê especial, escolhido a dedo para complementar a nossa família, sei que a verdade é que não poderia ser diferente. Abençoados com a saúde de ferro do pitoco, o restante vem do exemplo, do flow, do mundo que o colocamos para experimentar. E que ele experimenta, conosco, e assim como nós, saboreia. Se lambuza. Se deleita. Não tenho dúvidas que ainda teremos alguns perrengues turísticos para viver a três (a quatro, desculpa, Bolt). Mas certamente eles servirão como lições e/ou, principalmente, boas histórias pra contar.
Por fim, mas não menos importante: estou ciente de que falo, falamos, de um lugar de privilégio tremendo. Ainda assim, é a esse mesmo lugar de privilégio que eu gostaria de dirigir a palavra, agora. Há quem tenha vontade, possibilidade e não o faça por medo - não tema. De coração. Ou, como contei, há um tempo: na dúvida, viaje. Revendo as fotos desses dias, na escolha de algumas para ilustrar essa carta (tem mais no destaque do meu perfil no insta, caso bata a curiosidade), tive meu peito, meu corpo todo, inundados de amor e saudade. De fato, velha história: o Pedro não se lembrará desses dias, dessas andanças (será?). Mas, eu e o Luciano, sim. Na verdade, sem sombra de dúvida, nós não esqueceremos momentinho se quer - e com ajuda dos registros, contaremos, a ele, quantas vezes nos for solicitado, a história dessa e das (espero!) tantas outras viagens. Por tal, repito: na dúvida, viaje.
Com carinho (e os olhinhos marejados - não tô podendo ver fotos mais antigas desse neném),
Mari P. Bragança
Obs.: essa edição do Tasca Aberta é carinhosamente dedicada a Linoka (você sabe porque. E espero que leia até aqui, sua bandida!)
Obs. 2: o desejo de Jeri, como acho que já contei, veio da literatura - como normalmente me ocorre. Mais especificamente de Primeiro eu tive que morrer, da Lorena Portela (que não é prima, mas bem que poderia) - por acaso, ele está com uma edição nova e ainda mais linda.
Inspirador, Mari. E Jeri <3