Curitiba, 22 de março de 2023.
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Vem de algumas semanas. Começou de repente, pontual. Um sonho ruim, tenso, que me fez acordar quase mais cansada do que adormeci. Veio outro, acompanhado de uma manhã de mandíbula travada, como se toda a força do mundo precisasse ser concentrada entre os meus dentes. Ficou recorrente: dormir, sonhar pesado, acordar cansada.
De repente, o sentimento começou a me tomar o dia. A menor fagulha virou gatilho para incêndios internos devastadores. Embora me intitule engenheira de humanas, sou de exatas e tendo a racionalizar — neste caso, procurar culpados: o tempo, curto; a privação de sono; as preocupações com o neném; a correria do trabalho; a inacreditável história das joias; a banalização do dia internacional da mulher; a incessante carga mental, que quintuplicou com a maternidade. Falei da falta de tempo? Autocrítica, também tendo a questionar — ou julgar, para ser franca: “Ok. Mas estou cheia de privilégios, nesse lugar. Como poderia reclamar? Queixar-me do quê? Tenho tudo!”
Nada disso ameniza o que venho sentindo, praticamente todos os dias, quase em todos os momentos. Tão forte e intenso que, por vezes, extravasa dos olhos quando apenas comprimir os músculos do ombro e da face já não é o suficiente.
Tento me autorregular — palavrinha nova, do léxico maternal. Abraços apertados. Mensagens carinhosas. Cafungadas no cangote do Pedro. Um almoço em minha própria companhia. Mais um livro (ou quatro), na estante (no carrinho da Amazon). Sigo com os olhos em fenda, os punhos fechados, os pés inquietos. Esta incontrolável. Estou insuportável.
Mando mensagem para a minha terapeuta, quase em busca de uma solução mágica, algo que elimine o tal sentimento que não quero experienciar, o tal incômodo com o qual não quero lidar:
— Alguma chance de ser presencial amanhã? Você estará no Espaço? Ando sentindo MUITA raiva. Tô num processo quase incontrolável e nem sei bem entender. Seria legal um super reiki, de pertinho, se você puder. Me avisa?
Ela me lembra que raiva é sobre limites, sobre desrespeitá-los. Respondo, quase que sem pensar.
— Será que sei quais são os meus limites? Atualmente, assim. Tudo bagunçou tanto. Acho que nem sei mais quem eu sou. Faz sentido?
Divago sobre a conversa enquanto decido se sobremesa não, ou sim (é claro que sim — escrevo do tal almoço que dei para mim — aham, sei). Viajo até segunda-feira, a consulta com a terapeuta ocupacional do Pedro, que dizia (meu ‘grifo’):
— Você sabe porque as crianças preferem o danoninho ao morango? Ele é padronizado, previsível. O tamanho é sempre o mesmo, tal qual o gosto. Não há possibilidade de estar mais azedo, mais molenga, ser maior ou menor…
Discípula de Rita Lobo, enxergo a minha incoerência na predileção pela versão industrializada — da vida. E, de novo, sinto raiva.
Até chegar o meu cannoli.
Estar com a nossa raiva "em dia" é uma das coisas mais difíceis da vida. Definitivamente não aprendemos a ouvir a raiva nem como expressá-la (falo por mim, pelo menos, mas acho que dá pra generalizar). O querido Alexandre Coimbra Amaral tem um livro lindo que se chama "cartas de um terapeuta para seus momentos de crise" e o capítulo da raiva é fantástico!!
❤️