Curitiba, 01 de novembro de 2022.
A imprecisão, a inexatidão do tempo, me instiga. Em determinadas situações, uma hora parece nada diante de uma lista interminável de afazeres. Os ponteiros correm, atropelam as minhas listas, sempre hiper projetadas. Ignoram minhas pretenções e desejos.
Em outras ocasiões, porém, os minutos passam lentos, macios. Os algarismos, digitais em neon, ensaiam uma dança, no compasso dos segundos, que fazem o marcador central piscar uma vez, outra, e de novo.
Ainda sobre o tempo, há pouco, desejava profundamente uma, só uma, dessas horas lentas. Desfrutar (desfrustrar?) de minha própria companhia.
É uma quarta-feira de manhã. Está sol. Ele brilha, sobre um raro céu azul, em Curitiba. Já deve fazer perto de 20 oC. Mando um áudio para as amigas, enquanto caminho. Atendo o telefone e converso com o meu pai aleatoriedade. Sento na mesa externa de um café, sob o lusco-fusco de árvores altas, cabeludas, antigas, com aquelas folhas diminutas que se balançam com a brisa fresca, alterando, de tempos em tempos, a intensidade de luz que me encontra. Peço um sonho de doce de leite com café, um cappuccino. Saco o velho caderno vermelho, da bolsa, que é um saco improvisado de lona, desacostumada que estou de sair com a minha. Respiro fundo. E olho as horas. Rabisco palavra ou outra, ensaiada com caneta tinteira, voltando à clássica preferida esferográfica preta de ponta fina. Olho as horas. Queimo o lábio superior na xícara aquecida, derrubo uma gota gorda de recheio sobre a toalha de mesa, estampada com maças. Desconfio que mal sinto os gostos, percebo os cheios, ouço os sons. E olho as horas. De novo. Mais uma vez.
Há três dias, meu bebê e eu ensaiamos uma nova fase, um novo desenlace. Hoje, pela primeira vez, porém, ele ficou. Eu fui.
Sinto-me segura das decisões que o levaram até lá, que me trouxeram aqui, que nortearão os nossos destinos pelos próximos dias, semanas, meses, anos. O vazio, no entanto, que tento preencher com supostos bem vividos minutos, na já característica intensidade, revira meu estômago, enosa a minha garganta, desfoca os meus olhos.
Que focam, de novo, para olhar as horas.
(Já faz uma semana. Hoje, chove. Lá fora. Aqui dentro, aos poucos, faz sol, embora entre nuvem ou outra.)
Que o tempo, os dias, os anos, estão passando ligeiros, não é nenhuma novidade. Por aqui, porém, embora certas madrugadas se arrastassem, os últimos seis meses voaram. É chegada uma nova fase e, com ela, um conjunto de apreensões e desejos. Apreensões, pela velha ansiedade, temerosa do novo, do desconhecido. E desejos. Ah! Desejos de curtir cada segundo, com ainda mais intensidade e presença. Se, há um ano, me contassem como eu estaria hoje… Bem, sorriria amarelo enquanto reviraria os olhos mentalmente, verdade seja dita. Pois aqui estou: entregue. E mais feliz do que jamais imaginado, mesmo que dias como esse, relatado, me façam chorar baixinho, coração despedaçado, enquanto aspiro todo o aroma deixado pelo meu bebê em um paninho de boca. (Mammas, não me deixem falar sozinha!)
Independente do motivo, mamma ou não, choramingar sobre um café gostoso é bem mais interessante do que em posição fetal na cama, ou escorrendo pela parede gelada do banheiro, durante uma chuveirada (só as dramáticas online). E é isso que eu tenho feito nos últimos dias - em companhia do Pedro (e do Bolt - o dog-partner do pitoco, do qual eu contei aqui) ou sola, com meu relógio lentificado. Curitiba é cidade propícia para tal e entrega tudo, nesse quesito. Deixo uma lista de lugares recentemente visitados, para inspirar saracoteios por aí:
Prestinaria: dos meus lugares favoritos na cidade. O melhor croissant de amêndoas desse mundo todinho - a França que me perdoe. Tem em vários bairros, mas a do Bigorrilho é, de longe, a minha preferida.
Café do Mercado: um clássico. Para sentar e ficar, ou só para garantir os melhores grãos e chorar de casa. (Ok, também pode ser um café feliz e gostoso.)
Na Casa Delas: um achadinho charmoso, em minha dificuldade com o GPS (tenho dessas. Ainda bem!).
Café-Escola SENAC Jardim Botânico: além de um preço super bacana, opções clássicas em versão paranaense (a palha paranaense é uma coisa!)
Fuga Café: recanto militante, com a barrinha mais famosa e o melhor slogan da cidade - “onde o barista ama vocês ❤️, menos alguns”.
Go Coffee: lojas espalhadas por toda a cidade. Para sentar e ficar ou, simplesmente, pegar e fugir.
The Coffee: orgulhosamente curitiboca, inspirado na pureza japa. O melhor (mad) mocca to go.
Fabrika Pães: para manhãs sem pressa. E com fome.
Hornero Café: La Boca, só que no Largo.
Café Cultura: o nome fala por si. Dos cinnamon rolls mais saborosos e leves que já provei.
Tortas do Mundo: para viajar com o estômago.
Café 217: coffee w/ a view. E que vista!
Arte e Letra: impossível só comer - literatura ajuda a acalmar o coração. (Em tempo: aqui, abandona a cafeína e se joga no chocolate com lavanda. De nada).
Brod Bakery: para ir em um dia cinza e jurar estar em terras nórdicas. E para voltar mil vezes, tamanhas as opções deliciosas do cardápio.
Bonin Bakery: mais um pedacinho da França, com pain au chocolat de comer rezando. Em francês.
Fubá Café: como também já diz o nome, o cardápio é brasileiríssimo, trabalhado nessa fantástica farinha (?!) de milho, das combinações tradicionais às mais inusitadas.
Maçã: onde eu me consolei, naquele dia. Ou me afoguei em sonho. O doce.
(Para chorar em público: mesa externa e óculos de sol, mesmo em dias cinzas. Ainda paga de blasé.)
Após dois anos trancafiados (sim, as chagas desses dias continuarão a me atormentar), melhor que café bom é café bom com mesas externas. Especialmente, quando o tempo ajuda e todo o sol tomado é pouco para repôr a carência de vitamina D (e alegria) peculiar do DNA curitibano. E se tudo isso pode se dar em um cantinho arborizado, calibra ainda a saudade de mato da urbanóide natureba. Embora, tal qual o título desta carta traduz, naquela fatídica quarta-feira, o olhar estivesse no relógio, um cantinho de olho ficou no túnel verde, atraído pelo seu farfalhar sob a brisa, da Fernando Amaro. Hoje, editando o texto, ainda sinto o quentinho no coração daquela manhã. Deu vontade de saber um pouco mais sobre a arborização daquela rua, quando me deparei com outro (olhar) apaixonado:
“Uma vez na calçada, fomos atraídos por uma cena majestosa. Sicupira ainda não tinha aparecido e a gente ficou perplexo com um detalhe que às vezes passa despercebido quando está rodando pela cidade, preocupado com o trânsito, que com qualquer outra coisa – e se preocupar com o trânsito é fundamental, principalmente para quem está ao volante. As árvores.”
(As árvores da Rua Fernando Amaro - Edilson Pereira para a Tribuna do PR)
Cria de Curitiba, já exaltei, a plenos pulmões e até estudei, ainda que criança (oi, Dani! Tá boa amiga? - Nem só de Barbie no tanque se faz uma amizade de mais de 20 anos…) seus tantos apelidos. Capital ecológica é um deles, sustentado até hoje por ter sido considerada, atualmente, a cidade mais sustentável da América Latina (sim, trocadilho infame. Desculpa. Tem uma parte de tiazona em mim que NÃO RESISTE! - viu só, Mari Didi?). Embora os títulos sejam um tanto controversos, é inegável que a nossa cidade apresenta áreas verdes significativas e ações bacanas para, além de preservá-las, enaltecê-las - são muitos os parques e praças espalhados, que fazem de Curitiba, Curitiba (dados do IBGE de 2010 indicavam 76.1% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização). O que eu não sabia é que, por aqui, as árvores, como indivíduos, também são celebradas.
“51 estão listados e declarados por, decreto municipal como imunes de corte e outros 8 que foram tombadas e fazem parte do Patrimônio Cultural do Paraná"
(Curitiba tem mais de 50 árvores ‘históricas’. Saiba onde elas estão - Rodolfo Luis Kowalski para o Bem Paraná)
O saudoso O Expresso fez um mapeamento dessas árvores especiais, algumas inclusive com fotos. Um verdadeiro deleite para os olhos, nessa primavera.
"[…] tem até um pau-brasil em Curitiba? E uma oliveira em plena Praça Santos Andrade? E uma tamareira, que dá tâmaras, na Praça Eufrásio Correia?"
(Árvores que amamos - O Expresso)
Sob a sombra de uma árvore centenária, nas poltronas de um café aconchegante, na angústia das horas que não passam, melhor companhia do que um bom livro, não há. E, depois de dois (fantásticos mas fulminantes) tiros de canhão (A Redoma de Vidro da Sylvia Plath e O Acontecimento da Annie Ernaux - para o Clube do Chicas e Dicas), senti que era o momento de descanso. Com o coração bagunçado, como me encontro, resolvi usar dos medicamentos mais certeiros: um bom e reconfortante “água com açúcar”. Com a lentidão que a falta de foco me condena, estou saboreando o Luzes do Sul - o último livro trazido para o Brasil da autora alemã Nina George. Uma história dentro de outra história (d’A Livraria Mágica de Paris, livro querido do qual falei aqui), o romance apresenta uma combinação de elementos que quase parece manipulada para mim: literatura, cozinha, França, l’amour - que inclusive, dá voz à narrativa. Da metade, ainda não tenho uma posição consolidada. Uma coisa, porém, é fato: tem sido um refresco, um carinho na alma.
"[…]
- A vida foi inventada porque alguém a descreveu. O amor nasceu quando alguém o cantou. O ser humano surgiu porque alguém pegou na pena e disse: Era uma vez o homem...
- A-há! - exclamou Francis.
Assim, os livros eram a última magia antiga: tornavam visíveis realidades ocultas. Metamorfoseavam seus leitores, transformavam-nos, abriam a porta para uma cabeça diferente, para outro corpo, mesmo que já estivesse morto por séculos. Os leitores exploravam as lembranças de outra pessoa, tinham os sonhos de outra pessoa, caminhavam num corpo que não era o seu, sentiam o que os outros sentiam, necessidade, desespero, paixão, viajavam por países, tempos passados, universos paralelos, sem que um ou outro saísse do lugar, de repente ficavam velhos ou jovens de novo, ou eram de um sexo diferente, de uma cor de pele diferente.
- Hum, hum - concordou Francis.
Telepatia, viagem astral, comunicação com o mundo dos mortos ou, ainda, vida após a morte? Ora. Nada demais. Abra um livro!
Os livros transformam pessoas em viajantes do tempo, metamorfos, trocadores de corpos, leitores de mentes e imortais; os livros são, portanto, a grande e remanescente alquimia do nosso tempo.
Perigosos, perigosos, perigosos.”
(Luzes do Sul - Nina George)
Outra coisa que bem acompanha sombra, poltrona, livro, café, desolação: boa música. Desconfio, no entanto, que se você está aqui há um tempo, já ouviu (ou não quer nem saber). Midnights, o último álbum da amada Taylor (Swift) tem sido outro alento. Preferidas? Várias. Mas…
“I spy with my little tired eye
Tiny as a firefly, a pebble that we picked up last July
Down deep inside your pocket
We almost forgot it
Does it ever miss Wicklow sometimes?
Ooh, ooh”
(Sweet Nothing - Taylor Swift)
Já me falta foco, de novo - desconfio que, dessa vez, por conta de certos olhos marejados. Melhor me despedir logo - não vão achar que eu só sei chorar…
Com carinho (e, OLHA SÓ!, sem observações),
Já atualizei minha lista aqui com tanta dica boa. Acho que vc vai gostar do “rituais café” tb. Põe na tua pra um dia nublado de saudade do pitoco ou iluminado por um tiquinho de liberdade, nessa montanha de russa de sentimentos que é a maternidade, sempre com muito amor envolvido.
Lembrei muito de quando, há alguns anos (mais de 30) também voltei a trabalhar, depois da licença maternidade, e senti um misto de culpa e liberdade...