Curitiba, 11 de dezembro de 2024.

Tento fugir do caderno, como posso. Num processo inverso ao exercício diário, procuro os mais variados afazeres domésticos: organizo a cozinha, do café da manhã. Tiro e coloco louça na máquina. Subo e dobro roupa ou outra do Pedro. Arrumo a caminha dele e ajeito um pedacinho do seu closet. Cogito até uma faxina mais pesada, em algum canto esquecido da casa. Não faz sentido: já estou pronta para uma reunião presencial, que ocorrerá logo menos. E, é dia de diarista.
Olho-me no espelho. Giro o corpo para o lado direito, aliso a roupa com as mãos. Visto o tênis branco (há controvérsias), a já andante jaqueta de couro. Decido por prender um pouco do cabelo - que fica impecável, modéstia a parte, à primeira tentativa. Como nunca.
Recorro ao Instagram, certa de que ali encontrarei acalento no acelerar dos minutos. Me deparo com uma postagem de minha prima, que me fez lembrar do dia: 11 de dezembro. Aniversário de minha madrinha; dez anos da partida de nossa avó. Entro no grupo de whatsapp da família e meço as palavras para os devidos cumprimentos. Como desejar felicidades em meio à desolação? Como acolher saudades antigas, com outras tão frescas e latejantes?
Desisto de lutar, não são nem 08h30. Pego uma xícara de café, rareando da clássica: branca, borda em vermelho, um cavalo desenhado. Vista Alegre, da coleção de Natal de minha mãe. Ligo uma música do Ofertório, de Tom, Zeca, Moreno e Caetano Veloso - ela havia aparecido no meu treino, em outra versão, e ficou. Aciono o modo de repetição. Encaro as páginas amareladas, de linhas cor-de-rosa; a caneta preta de ponta fina. Deixo a voz melodiosa conduzir o fluxo de meu pensamento.
“O sol, manhã de flor e sal
E areia no batom
Farol, saudades no varal
Vermelho, azul, marrom
[…]
O mel, a prata, o ouro a rã
Cabeça e coração
E o céu se abre de manhã
Me abrigo em colo, em chão”
(Todo Homem, de Tom, Zeca, Moreno e Caetano Veloso)
Penso em ti. É só o que faço, grande parte do meu dia: pensar em ti. Pensar em tua mãe. Pensar em teu pai. Nas tuas irmãs. Penso naquele sábado de manhã - aqui, chovia, como um prenúncio de dias tristes. Penso em Ctrl+Z. Penso em qual fator mudaria da equação, para alterar o resultado. Penso no tempo, que insiste em não voltar, nem andar ligeiro. Penso na mensagem do tio Luis, pedindo um retorno com urgência. Penso na ligação que fiz, imediatamente, antes de encher o meu copo com água. Penso nas palavras que ele usou, sem saber como - sempre ele, costas largas, portador de más notícias (lembrete: falar ao telefone mais, e de amor, com o meu padrinho). Penso na escada, onde sentei e fiquei, com sede e sem sentir. Penso no pranto. E nos respiros, em que encontrava vestígio de força para uma ligação de carinho aos meus, dos meus (nossos).
A noite, é mais difícil. Penso no teu casamento recente. Na tua felicidade, quem diria, daquele dia. Penso na Cá. Como eu penso na Cá. Penso nos teus planos. Nos planos de vocês dois. Deito com o pequeno, para fazê-lo dormir. Rezamos juntos o “Anjo da guarda” e penso em ti. Exausta de tanto pensar, me lembro que você havia escolhido o quarto com closet. E penso que você tinha planos. Que nós, tínhamos expectativas (ainda que não manifestadas). Abraço, beijo o meu filho. Admiro a cena que, tantas vezes, me fez irritar: o Lu cochilando, aconchegado no Pedro. Estou cansada, porém, desperta. Desperta na dor de tanto pensar.
Eu sei que não será sempre assim. Não é a primeira vez que visito esse lugar; não há de ser a última. Mas penso em ti, tão jovem. Em tua partida, tão repentina…
Penso em ti e com pavor, penso da tristeza de ver passar essa fase do luto, que só me faz pensar em ti. Não quero ressentir. Não quero deixar de pensar em ti.
“Eu sou cordão umbilical
Pra mim, nunca ‘tá bom”
(Todo Homem, de Tom, Zeca, Moreno e Caetano Veloso)
Olho o horário, mais uma vez pensando em ti. Peço o meu Uber. É tempo de ir. Havemos de seguir. Pensando em ti.
(Entrei no carro. Impecável. O motorista usava óculos, barba. Não tinha nada a ver contigo, mas te vi - me desculpe, estou obcecada. Do rádio, Sheryl Crow iniciava o refrão:
“All I wanna do is have some fun
I got a feeling I’m not the only one”
(All I wanna do, de Sheryl Crow)
Tenho pena dos céticos. Encosto no banco e sorrio sozinha - um recado tão dele, tão para mim. Chego no trabalho dois minutos antes da reunião. E, pela primeira vez, desde sábado, passo um batom vermelho).
(Não me despeço, desculpe. Jamais saberia. E se escrevo, é porque ele me motivava - e motivará sempre, só eu sei.)
Mari P. Bragança
Ainda sobre…
Chegou na Tasca agora? Senta, pega um café e deixa eu te contar outras histórias…
Recente perdi uma grande amiga também. Jovem e de forma inesperada. Realmente ficamos assim: pensando neles sem parar. Meu abraço. Que pronto possamos nos reconfortar
Mari, sinto muito, muito mesmo! Mando um abraço forte, com desejo de que fiquem as melhores lembranças dele.