Curitiba, 30 de abril de 2024.









Abril.
Acumulo textos inacabados, mal começados, no caderno, no bloco de notas do celular1. Sento no último dia para rabiscar essas palavras e a letra não encaixa, sai estranha, como se o movimento da mão sobre o papel, sob o peso da velha caneta preta de ponta fina, fosse estranho - para não falar das ideias desencontradas, fragmentadas, em minha mente turva e cansada.
Costumava ser um mês especial. E, sejamos justas, o foi, embora um pouco mais intenso e imprevisível do que o costume. Um deleite para a ansiosa que domina (controla?) a maior parte do meu cérebro.
Foi num abril, há dezesseis anos, que o Luciano me levou tomar sorvete e intercalou passion fruit e um pedido de namoro. Também foi nesse mês e ano (2008) que, dias depois, no apê da Silva Jardim, depois de um show da Mart’nália (saudoso Boteco Bohemia!), que trocamos juras de amor.
O mês quatro, num acaso (juro!), também foi o escolhido para os nossos votos. Num dia quatorze chuvoso, como rezava o dito supersticioso (“casamento molhado, casamento abençoado!”), reunimos os nossos e nos unimos em matrimônio, numa das celebrações e festas mais legais da minha vida
- Todo mundo que eu gosto está aqui! Quando isso vai acontecer de novo?
- No teu velório. Fica tranquila que no teu velório vai estar todo mundo lá de novo - dizia uma amiga, debochada, enquanto eu ainda vestia branco.
Como comemoração pouca é bobagem, há dois anos, também em abril, acordei desconfortável, de madrugada, sentindo mais vontade de fazer xixi do que o habitual. Saímos de casa em dois e, ainda antes da virada da folhinha, retornamos em três. Chegava o Pedro (que também só descobrimos ser o Pedro na primeira troca de olhar, naquele mês).
Vai soar brega. Sou romântica (e tenho a ciência de que é uma construção social, que está fora de moda, mas vide isso e grande parte - ou mais nada - fará sentido). Mais. Gosto de acreditar nas casualidades como uma conjuntura mágica, no tempero do universo (embora a minha parte cientista e cética ria alto da ideia do cosmos se alinhar para o deleite de qualquer criatura vivente). Por fim, algo que não se precisa mencionar: sou enlouquecida por festerês.
Clichê. Mística (desconfio que jovem já não me cabe). Saracoteira. Planejei cada segundo das últimas semanas, só para ver plano depois do outro se desfazer, precisar de ajustes, recorrer a uma segunda, uma terceira alternativa.
Diante disso, chorei. Um choro largado, sentido, frustrado, doido. E julgado, porque a minha versão megera não descansa (“você tem tudo, porque choras, ingrata?” - Mariana ou Margarida?). Ainda assim, chorei em abril mais do que chorava há muito tempo - acumulado.
Uma TPM evocou questões maternas mal resolvidas, explodidas (por mensagem. Mais pais por aí?) pela fagulha de uma decisão errônea, não compartilhada, do marido. Não houve dia dois - ou, só houve, sei lá, no dia cinco.
Comentários carinhosos (que deveriam abraçar) em um texto sofridamente compartilhado evocaram certa solidão e toneladas de saudades, de quem está longe, de quem já não está. A dor, porém, encontrou a raiva ao invés da ternura, me ressentindo no intervalo.
Para o quatorze, o plano era polaco. Ideia inicial: um chalé na natureza - que resolveu fazer poucas e não aceitar bebês (jamais entenderei). Acabou por rolar um improviso sexta, um brunch no sábado, mas na hora da joia da coroa, um domingo no caminho do vinho, choveu. Canivetes. Reprogramamos.
Até 25, fui engolida. Os detalhes de 27, quando comemoraríamos os 1000 dias do pequeno, tomaram todos os meus segundos extras, cada respiro - breve, afinal o período também foi palco para três bronquiolites, intercaladas por sessões de desconforto gastrointestinal do menininho que, não julgo, mostra-se cada vez mais bravo quando a saúde o falta.
Pois veio a última quinta. Tirei folga para estarmos juntos, Pedro e eu. O dia de brincadeiras, porém, foi preterido ao descanso, aos cuidados - com direito a “parabéns pra você” na TV do hospital, acompanhado de pranto e soluços (da mãe. Precisava especificar?).
O dia 27 foi perfeito mesmo. Sol, calor, festa gostosa, bons amigos, um carinha muito feliz, nossa casa. (Havia acabado de passar o mercúrio retrógrado, só para pontuar; ah, poderia só falar das bexigas - que relutei, me deixei seduzir, e jurei que nunca mais, ao ver a frequência de estouros superar a velocidade de enchimento, diante do desejado dia quente - ninguém está reclamando).
Não vou mentir. Doeu que nossa. A ponto de dizer para a minha terapeuta: “próxima celebração é dia das mães e eu não vou planejar é nada. NADA. Tô cansada de frustrar minhas expectativas”.
O tempo, ainda que pouco, tal qual a montanha: do alto, vemos o todo.
Poderia pontuar as lições de cada desengano - geração He-Man que sou. Não foram poucas - mas gozo do privilégio de, acompanhada, revisitá-las a cada sexta-feira, num esforço constante de, verbo by Tati, “gentilizar” meu processo de viver.
Volto então, apenas (e a título de exemplo, tão somente), no dia 14 - bem no meio do mês. Almoçado tarde, Pedro também atrasou o cochilo, transformando o ato de dormir a horas num drama digno de Oscar (versão 2024). Destruídos, depois de embalar, contar a chapeuzinho, os três porquinhos (“Bernardo, mamãe. Cucca, mamãe. Pedro, mamãe. Matteo, mamãe”. - aparentemente, a história é desfrutada na escola), mostrar avião, o carro, o ônibus, as estrelas, deitar no pufe, recorrer ao quarto, mais um mamá, e segue, descemos para a cozinha. Numa coreografia muda, abrimos uma garrafa de vinho. Aquecemos a água para um ravioli. Preparamos um molho branco, com todo o queijo que havia na geladeira. Sentamos nas poltronas de couro do pub, munidos de prato fundo, colher e taças desemparelhadas. Já meio de pijama, assistimos, às gargalhadas (um oferecimento do cansaço extremo), um ou dois capítulos de Modern Family.
Esse plano B (C? Z?) jamais foi, ou seria, mapeado. Tal qual nunca poderia prever os tanto outros infortúnios que, na ocasião do acaso, se manifestaram. Apesar disso, talvez, eu digo, só, TALVEZ, sejam eles, afinal de contas, que tenham feito Abril ser Abril. Mais uma vez.
(Ainda bem).
Deixo aqui, um chorinho: pequenas coisicas que salvaram, ou adocicaram, os dias insonsos:
The Bear, saborea(n)do depois de mais uma Andança da
que me deixou aguada.O meatloaf (também prefiro em inglês, não matem meu estrangeirismo) da
.A viagem da
por Oxford, Dublin e Londres - engraçado essa coisa da escrita permitir certos afetos e nos fazer torcer por pessoas que conhecemos tão brevemente. Quase morri de deleite ao vê-la no Trinity College <3.Essa propaganda do Boticário, que NOSSA!
(editado. Quase esqueci! Como pude?) The Tortured Poets Department: The Anthology.
(Dos amigos, não preciso falar. Eles temperam - e temperaram - a minha vida. Hoje. Sempre. Mas que sorte!)
com carinho (e desejos confusos de um mês diferente e igualzinho),
Mari P. Bragança
Edito este texto no banheiro, sentada sobre a tampa do vaso, enquanto apoio e observo o marido banhar a cria. Ainda é dia 30, afinal.
Lindo texto, Mari! Essas suas últimas três edições, compartilhando um pouco da rotina, com todos os vais-e-vens e altos e baixos foram maravilhosas. Até comentei sobre uma delas aqui em casa esses dias! haha adoro a forma como você escreve.
E um super obrigada por citar a Andanças <3
Um viva para vocês que sobreviveram a mais um abril. Adoro acompanhá-los de longe. Beijão,