Curitiba, 12 de novembro de 2024.

Deixo as últimas páginas do caderno anterior em branco e sento, hoje, com o novo (rosa, com os dizeres “when in doubt dance it out” na capa - presente da Linoka), diante de minha janela. Chove lá fora e lamento, enquanto mentalmente cancelo o meu treino de corrida - mas é isso. Não quero tomar chuva, mal desejo sair de casa. Estou ainda recolhendo os frangalhos de outro final de semana de viagem, que embora tenha sido bom a sua maneira, não deixou de me arrebatar (arrebentar).
Há três anos consecutivos o Lu vai para o GP do Brasil de Fórmula 1. Os três anos de vida do Pedrinho. O que também significa que, em sua medida, há três anos sou mastigada e engolida por um final de semana em novembro, no qual não me sobra muito além de acompanhá-lo a São Paulo, temerosa das noites de mãe solo, que sigo; e inventar milhões de programações, para entreter o meu rapazinho (a ele?).
Pedro estava outra criança, dessa vez. Tudo fluiu de forma mais simples e prazerosa. Brincar na casa da tia Vera, que novamente nos hospedou, foi natural para nós dois e quase fez com que ficássemos por lá, dias todos. Ele mesmo se colocava na posição colaborativa e, satisfeito, dizia: “eu tô de parabéns, né mamãe?”. Estava. Ainda assim, saímos. E quando saíamos, também nos divertíamos; decidido, mais até ele do que eu, de curtir momentos de qualidade na companhia da mãe. O que tivemos. Fomos na exposição do Castelo Rá-Tim-Bum (teve medo; passagem acabou sendo ligeira. Para o registro futuro: nada ainda supera as experiências junto da natureza); no Eataly, tomar não um, mas dois sorvetes de pistache (juro que é preferência também dele); no zoo, com as minhas primas-parceiras (choveu, MUITO! Ainda assim, elas tornaram a experiência mágica e divertida; sendo companhia até para tomar banho em busca de avistar o leão, ao longe); na tia Nica, para um almoço de domingo (talvez um pouco mais tumultuado e choroso, pelo cansaço. Domingo, afinal de contas).
Contemplo, agora, as fotos que seleciono e imprimo na instax para ilustrar aqueles dias. Vejo os sorrisos de nós dois e quase não me lembro o que haveria de tão desafiador em um final de semana estendido, fora de casa, na companhia de meu filhote. Minha ingratidão, porém, chega a doer o coração. No domingo a noite, pouco antes de pegarmos a estrada de volta, o cansaço e a desolação me tomaram. Fui surpreendida pelo pior sentimento jamais experimentado em minha parca experiência materna. Um sentimento tão doloroso e ruim que, se quer, consigo escrever a respeito (ainda agora, só de revisitar brevemente, em pensamentos e memórias, sou invadida por uma angústia sem fim, um arrependimento, um desejo do não querer sentir). Revisito também o livro e o filme inspirado na personagem de Elena Ferrante que (ALERTA DE SPOILER!), um dia, foge, por dois anos. Do alto de meu desespero, me pergunto: doeria muito? Por quanto tempo?
Dói, já. Simplesmente por pensar que, num milésimo de segundo, essa opção tenha me visitado a mente.
Descasco o final de semana. Luciano optou por não comunicar ao Pedro, efetivamente, aonde iria, fã criado que está em Fórmula 1; o que me deixou tensa e irritada com as perguntas potenciais, que, inegavelmente, vieram. Saia muito cedo, o que não me permitiu margem alguma de tempo de solitude, minhas tão caras horas (minutos, que sejam) madrugueiras. Se quer, micro sessões de exercício físico fui capaz de encaixar nos dias atribulados (estando, esses, para mim, num lugar de autorregulação importante, nos tempos atuais). E chegamos tarde, de quinta para sexta. Madrugada alta. (Para além da “sorte” dos banhos frios, sempre na minha vez).
Olho a fruta. Não há aparente diferença da experiência materna de tempos difíceis. O que, acaba por explicar, sem justificar, no entanto.
Mordo. Talvez o meu fosso esteja mais profundo.
Há três anos, os três anos do Pedro, Luciano tira três dias para fazer algo que ele ama. Para ser apenas o Luciano; o Piraju, até, dessa vez, acompanhado pelo Dani (compadre e best). Por três dias, quase completos, ele não é o “papai” - ainda que o seja, num carinho de uma foto, de um vídeo, de uma mensagem. E, talvez, o desprendimento dele, em se permitir esses momentos, me inspire a mais profunda e dolorosa INVEJA. Em caixa alta (e sem essa de colorir, até com termos bem racistas, os olhos verdes do sentimento que é ruim mesmo, fazer o quê?).
Eu saio com as minhas amigas. Desde a chegada do Pedro, inclusive, posso dizer que sou até mais assídua em noites fora, do que ele (BEM mais, eu acho - também caixa alta). Mas, cada uma delas me obriga certa ginástica afetiva, física e mental. Escolho a melhor data e horário, diante de nossos compromissos. Converso com o meu menino, com antecedência. Preparo o jantar de ambos. Facilito - por escolha (culpa?) minha - coisa ou outra da rotina da noite (pijama separado, fralda e pomada do lado da cama, que já os aguarda aberta, sob a fraca luz das lampadinhas que usamos para niná-lo. Nos tempos de - cada vez mais raros, mamadeira no microondas - quando não, litros de leite esgotados e congelados, para a ocasião de uma fome descomunal. Cozinha limpa e impecável. Por aí, vai). Agora, um final de semana. Permitir-me, que seja, um sábado completo, longe de meu menino…
Sei que uma parte disso advém de uma saudade da semana. Da escassa uma hora ou duas, tão somente, que temos para nós, no atropelo dos dias. Outra, do meu ideal narcísico (quem nunca?): “eles vão sofrer sem mim, não quero”. E o resto?
Olho para fora e já não chove. Penso que poderei correr, o que me faz abdicar do treino de força, para o qual eu já estava psicologicamente preparada.
De repente, me dou conta.
Seria um querer demais, de tudo, que novamente me visita?
“Tudo não terás”, fala Tati em minha mente…
Em tempo: corri. No meio do treino, antes de fechar o primeiro quilômetro, choveu. Uma chuva tão bem-vinda, quanto inesperada, aberto o céu que havia. Talvez o querer tudo também não se possa nem se deseje, exatamente, por um motivo simples: há que se ter margem para a surpresa. E aí está certa dose de beleza da vida.
com carinho,
Mari P. Bragança
Ainda sobre…
Chegou na Tasca agora? Senta, pega um café e deixa eu te contar outras histórias…
Eu perdi esse texto aqui, e nem preciso te dizer que você sabe o tanto que estamos juntas nessa montanha russa. A matemática da ausência, que difícil, essa que a gente mesmo tem que saber fazer e inventar respostas. Matemática nunca foi o meu forte mesmo. Maternar, por outro lado... é forte de quem? Te repito as palavras da Fernanda Montenegro, em entrevista, se você não viu circulando por aí, sobre o que pensava ao ser mãe: "eu não sei nada, eu estou aprendendo junto, não tenho o dom de passar nada a não ser a minha inexperiência." E vamos assim, entre memórias cheias de sorrisos e tempestades inesperadas.
Sim, eu assumo sem vergonha que tenho medo de ser mãe... E ler textos assim como o seu dão uma dimensão real pra esse tema tão romantizado...