Curitiba, 19 de setembro de 2024.
(Escrito em 26 de março de 2024; mas ainda, e cada vez mais, válido - ainda bem!)
(Para ler o restante do fio: parte 1 e parte 2.)
Os dias tem seguido mais docemente. Acordo, hoje, exausta, após uma madrugada intensa, partilhando cama com um garotinho profundamente incomodado - fonte do desconforto não identificada. Ainda assim, consigo manter a calma, ver beleza na manhã turbulenta, apreciar meu café necessário, tirar um tempo para a escrita antes do trabalho. Consigo até olhar lá para fora e prestigiar o céu indeciso da transição de estações.
Depois de crises dolorosas, diante de minha interminável luta com a fase atual do Pedro (ou, como diria a minha terapeuta, “vê-lo cair”), escolhi o lugar da empatia. Não foi uma decisão racional, porém. Ela veio acontecendo, fez uma compreensão e um olhar para esse mini outro crescerem em mim, de modo que os rompantes de falta de paciência, ou mesmo a frase “é uma fase, também vai passar” tem rareado.
Ele está vivendo um momento desafiador. Começa a entender que nem tudo é seu, que o mundo não gira em torno do seu umbigo. E, mais do que isso: tem tido que lidar com uma rotina quase de adulto, acordando a horas; vestindo-se na pressa; tomando um café no carro; seguindo para a escola, sem demora. Para, após oito ou dez horas por lá, voltar para a sua casa, para os seus pais, para breves momentos de brincadeira, seguidos de jantar, banho e cama. Antes dos dois anos. Não deve ser fácil.
A Mariana do passado se revoltaria, porém, com a constatação da dureza dessa rotina imposta, culpando-se e doendo-se das feridas alheias, da completa ausência de ação perante algo muito maior que a sua própria maternidade. Ciente de suas limitações, restringida não só pelo sistema capitalista ao qual somos sobrepujados, mas também e principalmente refém das armadilhas psíquicas que possui (que, ok, também devem ser oriundas do sistema produtivista, sendo esse, origem e fim em si mesmo), escolho uma saída possível. Abro a porta do afeto.
É cansativo, não há dúvidas; mas escolhi não mais negar o colo solicitado. Entro nas brincadeiras por ele propostas, ainda que algumas sejam exaustivas (chatas, tá?) e até desafiadoras, para a minha, considerada boa, resistência física. Escolho os nãos que ofereço e os sirvo cada vez menos, ainda que isso me custe chãos a mais para limpar, roupas extras para lavar (abençoado compartilhamento de uniforme da escola). Deixo o celular e os pensamentos de lado, nos momentinhos que partilhamos, escolhendo ativamente estar ali o mais íntegra que eu puder.
Ainda assim, sou humana. Do fundo do meu coração, gostaria de dizer que isso tudo tem deixado o meu menino mais tranquilo e abreviado o caos das manhas e choros (venho agora, Mariana do futuro, editando este texto quase seis meses depois, para dizer: tardou. Mas foi infalível - ou fui eu?). É mentira. Elas seguem. E sim, ainda incomodam. Todos os dias, quando, de outro comodo da casa, ouço o seu choro estridente, desencadeado pela falta de apreço por alguma etapa da extenuante missão de se civilizar, também eu, ainda, desejo me entregar ao pranto. Ou, adulta que sou, fugir, escapar do problema (contém ironia. Ou não. Também trata-se de um privilégio da adultez, afinal de contas).
Por opção, não o faço (de todo. Às vezes, bem dou uma choradinha, sejamos francas). Respiro fundo e sigo encontrá-lo, para me colocar à disposição, ajudá-lo no serviço. O abraço forte e, com todo o amor que há no meu peito, acalmo a sua frustração - por consequência, também a minha.
(Biologicamente, poderia creditar à ocitocina. Mas, leonina que sou, vou deixar hoje os louros por aqui mesmo).
A manhã de hoje foi turbulenta. Estávamos atrasados, os três: algo com dias frios e chuvosos; camas aconchegantes; horário flexível. Menininho acordou querendo dormir acompanhado - quem não, naquela casa? Já não dava. Foi choro, foi drama. Cena clássica, no chão do quartinho, meio de pijama, meio de uniforme. Assistimos, pacientes, regulando, um ao outro, com olhares de parceria, palavras de incentivo. A ele, lembrávamos a cada pouco:
«Estamos aqui, se teu desejo for por colo e abraço».
O tempo, rei.
«Quero colo, mamãe».
Terminamos com mamá, ‘Jacaré, não’, planos pro resto da semana. Sorrisos.
O momento era outro. Pedro, bebê. Diante de dias mais intensos, procurei explicações: saltos de desenvolvimento - sem comprovação científica, mas baseados em observação comportamental. Uma amiga, também mãe, aconselhou: «não vejo nada que desconsidere a singularidade de minha filha».
Sábia. Demorei para compreender. Tempo, rei.
Com carinho
(e sem novas definições de fase - ou, pelo menos, enquanto durarem a sanidade materna e/ou ocitocina - vem cá, já ouviu sobre a teoria de abraços de 20 s?!),
Mari P. Bragança
Ainda sobre…
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