Curitiba, 24 de fevereiro de 2025.

Tenho achado viver complexo - ou, essa é a minha versão romanceada do sentimento verdadeiro: tenho achado a vida chata. Especialmente esse viver que habito. Viver e ser mãe. Uma equação difícil, que não consigo resolver com nenhuma das ferramentas que disponho, de Cálculo 1 a Matemática Aplicada 2 (calafrios cruzam o meu corpo de engenheira, até atingir a minha mente metida a de humanas). É que tendo a isolar e priorizar o fator que julgo essencial no momento - ainda que tamanho julgamento desconsidere a interdependência de um, ao outro. A solução, por consequência, não vem. Passa longe.
A dificuldade de transitar por minhas diferentes versões, abraçá-las, acarinhá-las - e, por vezes, assumir uma em detrimento de outras, por desejo, e não somente senso de dever, tem provocado atritos. Na imagem que construí e idealizei como de uma vida boa e feliz. No meu casamento - a velha máxima da proximidade. Nessa, ando em um verdadeiro ‘pé de guerra’ com o Luciano, meu paciente marido - e, ao investigar, tenho quase um déjà vu.
Pequenas gotas têm transbordado baldes e baldes cheios de lágrimas das dores que venho carregando sozinha - possivelmente por opção. Penso em planos para o fim de semana que integrem, ainda que em parte, minhas singularidades. Visita à biblioteca pública. Um café no meio da manhã de sábado, com pain au chocolat. Almoço fora, a dois, num dia qualquer. Um vinho especial no sábado, para harmonizar o jantar tarde da noite, feito em casa, após o Pedro adormecer. Descer para a praia, sem muitos planos. Ver um jogo de futebol, que nem acompanho tanto (leia-se: nada), em um sport bar interessante (e é aí que mora a minha versão, nesse caso). Comento as ideias, por alto, no atropelo de nossos dias de pais, sem rede de apoio, celetistas. Mando mensagens. E, a menos que haja uma movimentação excessiva, expressiva e quase que exclusiva de minha parte, ficamos em casa. Não é privilégio meu: amigos, insistentes, o acusam de sumir por dias e nunca responder. Já virou piada, a ponto de alguns me mandarem em cópia, quando precisam de um retorno do bonito.
Isso não ocorre, porém, quando ele apresenta interesse genuíno por determinado tema. Pensando na ferramenta de inteligência artificial disponibilizada no whatsapp, me questiono se ele não automatizou notificações especiais para temas como kart, fórmula 1, circo e parques temáticos - preferencialmente aquáticos, já que estamos no verão. Faria sentido. Nesses casos, ele comparece prontamente - e, por comparece, entenda-se: fazer hiperfoco no assunto; angariar parcerias e plateias; atentar-se aos segundos, para que o menor atraso seja registrado.
Foi assim no penúltimo final de semana. Por um contratempo de saúde familiar, viajaríamos na sexta. Desistimos dos planos, por questões além de nosso controle. O almoço de valentines, propício para o seu dia de home office, foi substituído por um jantar “gostoso” em casa - as aspas, em símbolo ou revolta pela falta de diferença do que faríamos em qualquer noite de sexta. No sábado, ele acordou com enxaqueca, o que me fez desconsiderar as sugestões pré-planejadas (em minha cabecinha). Acabamos saindo apenas para comprar coisas para casa, um pequeno (pra quem?) reparo que precisaríamos fazer na entrada da garagem. No caminho, manifestei minhas ganas momentâneas por massa folhada. Sugeri um café rápido, aproveitar o rompimento da inércia. Pelo desconforto físico por ele manifestado, diante da dificuldade de estacionar o carro, desisti. Seguimos para casa, onde os afazeres me engoliram: marmitas, arrumações, pequenas limpezas. Apaixonada por sabores e dissidente da rigidez semanal, me frustrei com a proposta de um almoço similar à minha dieta cotidiana. Resignada, até pesei as porções, como faria em qualquer segunda ou terça feira.
A tarde seguiu entre afazeres: renovar as lavandas dos canteiros; entreter um bebê levemente entediado; preencher o buraco com a insuficiente quantidade de brita e areia que compramos; varrer e limpar a frente de casa. Sugeri uma volta, no começo da noite, tão somente para encurtar a rotina do sono. Preferiu ficar: “ele está cansado, vai dormir logo”. O logo, eram 21h30 - que parece cedo, se desconsideramos a intensidade da rotina que iniciou-se antes das 08h (e falo isso, cheia de ressalvas, ciente de amigas com madrugueiros bem mais animados que o meu). Ali, cansada estava eu. Cansada e irritada, deixando extravasar parte do meu descontentamento na escolha de um filme de interesse pessoal e desconsiderando a regra da casa, de vinhos bons para ocasiões especiais (nem estava tão bom assim).
O domingo transcorreu igualzinho - tal qual todos os últimos finais de semana: casa, afazeres, neném. Com a exceção, pontual, de sua corrida de kart, a convite do marido de uma amiga (e QUE AMIGA! - mentira. Hahaha. Te amo e você bem sabe). Ele queria que fôssemos junto - “Pedro vai gostar”. Confesso que, até eu, me diverti (bem mais do que imaginava). Pelo menos, até chegar em casa.
Saímos de lá tarde. Como sempre, fomos os últimos a deixar o kartódromo. Eu tinha esperanças de que Pedro dormisse no caminho de volta. Até, temerosa, planejava mentalmente a minha noite: pedir comida, abrir uma garrafa de vinho branco gelado, assistir alguma coisa boba na tv, antes de dormir cedo. E ele dormiu. Para acordar, tão logo o pai o tirou da cadeirinha - “eu tô acordado, papai”.
Foi a centelha que faltava para explodir toda a pólvora que venho espalhando há meses (?).
“Bancar os nossos desejos custa caro.”
Esse já havia sido o tema da terapia na última quarta e me espantou a falta de auto observância dessa questão, em meus dias. Conversávamos sobre minhas recentes férias, sem marido e filho no horário comercial, por ocasião de combinações de datas. Sobre a minha ida ao cinema, sozinha, pela primeira vez (na vida? Após o Pedro, certamente). Sem perceber, puxamos o fio de uma trama oculta: eu estaria me permitindo ser, estar, apenas motivada pelo meu desejo?
Foi preciso algum grito, uma noite de insônia, um almoço silencioso e solitário, para juntar os fatos. Talvez, a minha dor maior advenha da falta de coragem de bancar as minhas vontades, aliada a inveja de ver, mais uma vez, o Luciano fazê-lo com naturalidade - mesmo que, conosco à tiracolo (cada um, a sua maneira). Outra vez, o que sinto é raiva - e ainda que direcione ao outro, de repente me dou conta: há quatro dedos remanescentes, todos apontando pra quem?
Deixei esse texto repousar no caldeirão da memória, por quase uma semana, sem saber se tratava de algo público ou privado. Entender a minha escrita e o meu desejo de compartilhar, determinados temas, têm sido premente. É que o meu processo, de certa forma, vem sendo esse: uma entrada no diário que permanece, comigo, em reflexão; a ponto de quase obrigar um dividir, chamar à roda, à conversa. Meio como o nome dessa newsletter: abrir a casa (Tasca), colocar água no feijão, juntar mais um(s) lugar(es) à mesa, para partilhar alguma nova descoberta.
E aí que, numa rolada do feed daqui do substack, em um momento de bobeira, numa hora do almoço no trabalho, me deparei com uma nota da
, sobre as trocas de seu texto (fantástico!) sobre a coragem de experimentar:“saber que somos muitas, o suficiente pra criar um clube, se apoiar. Sentir que não se está sozinha no mundo com as próprias neuras foi um dos motivos que me fez criar o pausa (sua news e canal no youtube - recomendo ambos, fortemente!), então quando esse encontro acontece, eu me fortaleço, tenho vontade de mais.”
Fez sentido. Na vida, mas especialmente, como mãe, tenho a tendência de me sentir um alecrim dourado (
aqui, em outro tiro na forma de texto, pra me desmentir). E ainda que seja outra pauta desgastada nas minhas sessões de terapia, encontrar eco, abraço e acolhimento, sem sombra de dúvida, me faz mais forte (ou sentir-me menos maluca? Talvez). Então deixo aqui, ambos: meu compartilhamento, na forma de peito exposto (afinal, não seria eu, de qualquer outra forma); e meu eterno agradecimento, pelas trocas proporcionadas.com carinho (e boas doses de vulnerabilidade),
Mari P. Bragança
Ainda sobre…
Chegou na Tasca agora? Senta, pega um café e deixa eu te contar outras histórias…
bateu aqui como aquela bola de vôlei que veio errado no meu do peito numa quarta-feira 15h15 no Ensino Médio
Vi um corte da Liniker num podcast falando sobre ter sido gerente dos relacionamentos, se ela não organizasse o rolê, o jantar, a saída, pesquisasse os cafés etc, nada acontecia. É um relato tão comum das minhas amigas em relacionamento hetero e que me deixa tão angustiada perceber que eles se empenham em outras esferas. o afeto dos homens é voltado só pra eles mesmos e pra outros homens (dei um salto gigantesco aqui mas enfim). Acabei de chegar aqui no Tasca, obrigada pelo texto <3